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APA VOLTA À ESCOLA



Os segredos mais bem guardados do Brasil são revelados numa conversa de bar.





Reunião da turma de ginásio do Primo Apa. Como todos sabem, o Primo Apa estudou no Ginásio Paranaense e foi um dos alunos do Poeta Perneta, o que o salvou para o resto da vida de ler poesia e o fez se dedicar à diplomacia e aos negócios de Estado. Depois que foi expulso do Ginásio, por atividades subversivas – para aumentar a renda ele organizava excursões dos alunos aos bordéis da cidade – ele foi ensinar o Barão do Rio Branco a falsificar mapas e marcos históricos portugueses. Mas esta é outra história.


A turma resolveu se reunir, depois de muitos anos, no espetinho do Xixo. Duas ambulâncias foram colocadas de prontidão, e um equipamento especial de ressuscitamento de velhinhos foi colocado no pátio do restaurante. Aos poucos eles começaram a chegar. Como todos são do tempo em que comer vegetais era coisa de viado (Osvaldinho, o único gay da cidade, era um notório comedor de cenouras), todos se atracaram imediatamente nos suculentos espetinhos da casa, acompanhados de porções de um gorduroso pão de alho, regados ao molho da casa. E cerveja e doses generosas de cachaça com cataia, um produto paranaense raiz. Dizem que cataia é um afrodisíaco, e na dúvida, dá-lhe cataia.


Apa chegou, escoltado por uma nuvem de moscas varejeiras, embrulhado em um casaco que teve o seu apogeu na Belle Epoque, esfarrapado, mas com o corte característico dos ternos da Saville Row, onde ele costuma fazer suas roupas.


Paulinho Bigode veio se arrastando em um par de muletas, seus bigodes de bandido mexicano agora brancos, mas sempre marcantes. Foi ele que expulsou Jesse Valadão da falecida boate Marrocos, jogando-o escada abaixo. Era um jovem magro e rijo, quando isso aconteceu, mas ele tinha um bigode Pancho Villa a ser respeitado. Sentado, enquanto traçava um espetinho com pedaços suculentos de bacon, contou da extração de vesícula que os médicos o obrigaram. “Não servia para nada mesmo, a disgracida. Já foi tarde.”.


Osmar Foguinho foi um dos últimos a chegar, arrastando uma certa bonomia, agora que seu inimigo in pectore foi derrotado nas eleições do Clube Atlético Bananal. Está sorrindo à toa, e logo logo começará a articular a chapa de oposição. Ele precisa fazer jus ao nome. Hay Gobierno, tacale fuego, é o seu lema.


Uma agitada discussão começou sobre a antiguidade do bar da esquina. Um grupo de jovens, quase todos na faixa dos 90 anos, estava na venda tomando uma cerveja, e a turma começou a discutir a antiguidade do estabelecimento. Ao que parece, quando Ébano Pereira dos Reis começou a faiscar ouro no Rio Atuba, um de seus companheiros começou a vender petiscos para os mineradores. Segundo Apa, foi assim que surgiu o bar. Mas um parente do prefeito, que teve acesso a uns alfarrábios da família, contestou. Era um companheiro de Mateus Leme, que a seguir foi eleito para a Câmara de Vereadores, onde continua até hoje, praticando benemerências para si e os seus. Daí veio a expressão: “Mateus, primeiro os teus”, que se encontra gravado em bronze na Câmara de Vereadores e na Assembléia Legislativa. Apa afastou pacientemente uma mosca varejeira do rosto, e disse: “Este é outro pergaminho. Na Câmara está um, na Assembleia, há outro, que dá instruções secretas para os presidentes.”


Lúcio Moka, que ganhou o apelido fazendo contrabando de café na fronteira com o Paraguai – o maior produtor mundial e exportador de café, ao tempo do Instituto Brasileiro do Café, o saudoso IBC – comia um espetinho de alcatra, embebido no molho da casa, atento. Ele encerrou a discussão dizendo: “Chama-se El Libro de la Rachadita. Foi escrito por Pero Vaz de Caminha.” Apa, sábio, fez que sim com a cabeça.

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