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Foto do escritorHatsuo Fukuda

ARRASTANDO AS FICHAS


Tudo deve mudar para que tudo fique como está.



Imagem de Financial Times


No nosso pobre sistema constitucional, vigora a lei bárbara: the winner takes it all. Talvez não seja apenas uma lei bárbara, talvez seja da natureza humana, pouco importa. Mas na Terra dos Papagaios é como funciona, de forma crua e sem firulas. Assim, não espanta que o novo governante, na divisão do butim do poder, tenha reservado para si e seus companheiros as partes mais apetitosas, deixando aos aliados (companheiros de viagem), partes não tão boas, ou se boas não exatamente aquelas que eles gostariam.

Nos jornais vejo uma certa decepção com os primeiros acenos do poder. Fala-se muito no “mercado”, e coloco entre aspas porque o onipresente e onisciente mercado a que se referem os articulistas não se diferencia muito do mercado especulativo diário nas bolsas de valores e dólar. Ora, o mercado – que existe e é onipresente, mas não é onisciente – não se confunde com os especuladores da bolsa ou do dólar

É da natureza do ofício do especulador, como o das hienas, ganhar com as diferenças de valores no dia a dia. É o seu ganha-pão. É como ele leva dinheiro para casa, e será assim até o final dos tempos, enquanto houver hienas e especuladores. Entretanto, não me parece razoável que palavras pinçadas em discursos oficiais aqui e ali disparadas por personagens notórios como Lula e Alkmin – uma vida inteira pronunciando discursos e praticando atos – não são personagens misteriosos - possam guiar o famoso mercado. Guiará a especulação diária, que se alimenta disso, mas o mercado, o verdadeiro, aquele da economia real, sabe muito bem que business as usual, com Lula ou quem quer que seja.

Claro que o mercado (ambos) é importante, e seria prudente aos novos bárbaros que ocuparam Brasília levarem-no em conta. Ignorá-lo não é boa política, e a economia tem suas regras inexoráveis. Olhar para os nossos vizinhos argentinos e venezuelanos dá uma boa ideia do que nos aguarda, a prevalecer a mentalidade mágica que faz parte do ideário de muitos companheiros.

Acho inútil dizer, mas não custa repetir. Recomenda-se bons modos à mesa. Aliás, recomendo que não destruam a mesa nem os palácios. Se não souberem usar os talheres, tenham paciência e aprendam. Outros comensais virão – talvez os mesmos que acabaram de sair – faz parte do jogo.

No mais, aparentemente a cota habitual de todos os governos está ali representada: os idealistas, os vaidosos, os políticos, os espertos. Lula, cuja trajetória espetacular tem paralelo com a de outros grandes líderes (Mandela é o nome que me vem imediatamente à cabeça, mas há outros nem tão lisonjeiros) tem experiência suficiente para conduzir um grande governo. Não se espera a revolução que colocará o Brasil nos trilhos do progresso, como a Revolução Meiji, no Japão, ou a dos Planos Quinquenais de Stalin, ou a de Deng Hsiao Ping na China (não importa a cor do gato, importa que cace ratos). No Brasil os avanços vêm entremeados com o atraso, e em doses homeopáticas. Em trinta anos estes países saíram do atraso e se tornaram players mundiais. Se você olhar os últimos trinta anos do Brasil verá somente o atraso, quando não o franco retrocesso.

De qualquer forma, ele já inscreveu seu nome entre os pais da pátria, alçando-se à altura de um Getúlio Vargas. Mas os grandes nomes costumam ser julgados também pelos seus adversários e inimigos. Getúlio teve Carlos Lacerda, um grande político e um adversário formidável. Se Lula se espelhar em Bolsonaro, o desastre é certo. É um truísmo, mas verdadeiro: você é tão grande quanto os seus adversários. Com todos os seus defeitos, o atual presidente é muito maior do que o que saiu. Mas a questão não é o líder, e sim os seus liderados. E eles são uma massa formidável que nunca se viu antes, e se encontrarem uma liderança à altura, a avalanche reacionária voltará, na forma de uma tempestade.

Não custa lembrar a prática dos antigos romanos, hoje esquecida. Nos desfiles triunfais, em que recepcionavam os cônsules e generais vitoriosos, um homem acompanhava o vitorioso, soprando-lhe ao ouvido: lembra-te que és mortal (memento mori). Lula tem consciência disso? Seus liderados, a julgar pelo mar de bandeiras vermelhas na posse, não têm.


Pessimista que sou, não espero muito. O Brasil e seus líderes já deram demonstrações de sobra que sempre é possível escolher o pior.


A epígrafe é do romance Il Gattopardo, de Lampedusa, sempre atual, no Brasil principalmente.


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