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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

RELÓGIOS DE DALI

A incerta perspectiva do tempo…



Por certo há dimensões temporais abaixo dos segundos. Mas somente são captadas por equipamentos sofisticados, dos quais o cronômetro de precisão é o exemplo mais simples. Mas o homem não tem consciência destas parcelas de tempo. E por não ter consciência, não existe abaixo do segundo.


Na perspectiva dos segundos tudo é quente, veloz, fugaz. O ser humano ferve nos segundos e nos minutos que formam. A injúria exige vingança. O prazer impõe o gozo. As portas dos sentidos acolhem todas sensações. Sons ferem nossos ouvidos, imagens são lançadas contra nossa retina. Sentimos o gosto do sal, o cheiro do leite vencido e o ar em nossa pele. O segundo é o tempo da intuição. Nele somos crianças.


Na perspectiva das horas a razão encontra seu espaço. Alguns ponderam e resolvem relevar uma ofensa. Outros continuam com sangue na boca demandando vendeta. Em qualquer circunstância, as horas/dias oferecem oportunidade para reflexão, das análises científicas à apreciação de fatos e emoções. As horas são o tempo da reflexão. Nela somos homens.


A vida desfila mesmo nos meses e nos anos. Todos acontecimentos da nossa curta existência, dos mais triviais aos mais significativos, desfilam como uma galeria de fotografias que vão lentamente perdendo a cor, esmaecendo. Tudo aquilo que nos parece movimento, o primeiro beijo apaixonado, o nascimento de um filho, uma dolorosa queda, são apenas fotografias que a ilusão desenrola como frames de um filme.


A década é o tempo da cura. Todas dores, todas mágoas são consumidas, apagadas na perspectiva das décadas. Os maiores sofrimentos, apreciados pelo binóculo inverso das décadas, parecem tão distantes que não podem mais nos machucar. Dores longínquas se fazem melancolia.


Na perspectiva dos séculos a história encontra a possibilidade da verdade. Não mais prevalece a versão dos vencedores, que tornam todos seus atos meritórios tanto quanto vergonhosos os atos dos vencidos. A verdade histórica reside na distância do tempo, mesmo dificultada pela perda das fontes. E quando a história salta para a perspectiva dos milênios, quase desaparece. Encontramos alguns artefatos, vetustos monumentos, resquícios apenas de algo que apenas supomos.


Os milênios, porém, são menos que segundos para o universo, um breve pulsar do coração cósmico. Toda vaidade humana, todo orgulho, todo apego ao que seja matéria, não ultrapassa a perspectiva das décadas. É assim uma microfração do tempo cósmico, certa e rapidamente destinada ao esquecimento absoluto. O tempo é um embuste, distorcidos relógios de Dali. Vivemos a ilusão do movimento. Assistimos, apenas, ao desfile de instantâneos, puxados ante nossos olhos por alguma das Parcas.


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