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Foto do escritorTião Maniqueu

COMO AS DEMOCRACIAS MORREM

Celso de Mello não exagera em nada; os sinais estão aí pra quem quiser ver…





Entre as obras de não-ficção, um dos best-sellers do momento é “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt - Zahar Editoras, 2018. Os autores explicam, de forma objetiva e calcada em exemplos históricos, as razões que levam democracias supostamente sólidas a ruírem em pouco tempo.


Segundo os autores, hoje em dia, não há mais tanques nas ruas, marchas sobre Roma ou coisas assim. As democracias são implodidas por dentro, solapadas por arrivistas que chegam ao poder por vias democráticas. Uma vez no poder, os candidatos a ditador enfraquecem as instituições constituídas de várias formas: buscam controlar os tribunais superiores, desmoralizam o legislativo, censuram a imprensa. Nesta missão nenhuma arma é desprezada, do suborno à intimidação, das indicações políticas à cooptação de adversários. E quando se vê lá está o arrivista eternizando-se no poder, legitimado...


Antes do ponto sem retorno, contudo, os que tem alma de ditador dão sinais, alguns bastante evidentes. Levitski e Ziblatt elaboraram uma tabela com quatro critérios para identificar o comportamento autoritário. Cada item apresenta alguns subitens. E alertam ( sic ): um político que se enquadre mesmo em apenas um desses critérios é motivo de preocupação. Bem, brasileiros, Bolsonaro se enquadra nos quatro! Demonstramos:


1º Critério - Rejeição das regras democráticas do jogo ( ou compromisso débil com elas ) - Nosso gentil Presidente marca positivo em três subitens, a saber:

  • Os candidatos rejeitam a Constituição ou expressam disposição de violá-la? - Ainda que afirme defender a Constituição Federal, Bolsonaro comparece semanalmente em manifestações que pregam a ditadura militar, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal; além disso já afirmou várias pérolas autoritárias como: ordem judicial absurda não se cumpre; eu sou a Constituição.

  • Buscam lançar mão ( ou endossar o uso ) de meios extraconstitucionais para mudar o governo, tais como golpes militares, insurreições violentas ou protestos de massa destinados a forçar mudanças no governo? - Sim, semanalmente, em frente ao Palácio do Planalto e em vários pronunciamentos destemperados.

  • Tentam minar a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito? - Bolsonaro já afirmou expressamente que tem provas ( embora sem mostrá-las ) de que teria ganho as eleições presidenciais no primeiro turno; além disso, vive lançando dúvidas sobre a lisura do voto eletrônico, ainda que todos especialistas afirmem o sistema eleitoral brasileiro como um dos mais seguros e eficientes do mundo.


2º Critério - Negação da legitimidade dos oponentes políticos - Novamente, nosso amado Presidente incide claramente em dois subitens:

  • Descrevem seus rivais como subversivos ou opostos à ordem constitucional existente? - Os bolsonaristas, ecoando seu líder, chamam de comunista qualquer opositor e identificam nas forças de esquerda - PT, PSOL e outros - intenções subversivas.

  • Afirmam que seus rivais constituem uma ameaça, seja à segurança nacional ou ao modo de vida predominante? - Sim, com frequência alarmante, seja vinculando a oposição a governos estrangeiros ( Cuba, Venezuela, etc ), seja utilizando valores religiosos que não são necessariamente partilhados por todos.


3º Critério - Tolerância ou encorajamento à violência - Nosso pacífico Presidente enquadra-se, também aqui, em três subitens:

  • Têm quaisquer laços com gangues armadas, forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações envolvidas em violência ilícita? - Bolsonaro é notoriamente ligado às milícias do Rio de Janeiro, assim como sua familícia. Além disso, sua pregação para armar a população e enfrentar autoridades constituídas, feitas abertamente na reunião ministerial de 22 de abril, aponta para a preparação de forças paramilitares a seu serviço.

  • Endossaram tacitamente a violência de seus apoiadores, recusando-se a condená-los e puni-los de maneira categórica? - Os bolsonaristas atacam representantes da imprensa em suas manifestações e já chegaram a hostilizar enfermeiros em outra ocasião. Nenhum destes fatos lamentáveis recebeu do Presidente qualquer censura.

  • Elogiaram ( ou se recusaram a condenar ) outros atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo? - Aqui está fácil, pois Bolsonaro defende sempre qualquer ditadura de direita, Pinochet, Stroessner, etc. Endossa abertamente a ditadura militar e o uso da tortura.


4º Critério - Propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia - Aqui o verniz de nosso tolerante Presidente é um pouquinho mais grosso, pois ele se insere em apenas um subitem:

  • Elogiaram medidas repressivas tomadas por outros governos, tanto no passado quanto em outros lugares do mundo? - É conhecida a aversão de Bolsonaro à imprensa livre, contudo ele ainda não tem poderes para reprimir a imprensa, para nosso alívio. Mas seus elogios ao AI-5 e outras medidas repressivas do período militar, como a censura, não deixam dúvidas quanto aos seu entendimento sobre o tema.


Se a adequação do candidato/governante a um critério já é preocupante, que dizer da conformação em quatro critérios e diversos subitens? Não há qualquer exagero, portanto, na preocupação externada pelo Ministro Celso de Mello, que viu semelhanças entre o período que atravessamos em nosso país e a República de Weimar. Hitler, após fracassar numa tentativa de tomar o poder pela violência, chegou ao poder pelas urnas, favorecido pela conjuntura, nada mais, nada menos, que a crise de 29. Uma vez no poder, a ditadura implantou-se rapidamente. Uma vez implantada, não havia mais possibilidade de reação. E o desastre alemão foi inevitável…


Felizmente, brasileiros de bem estão despertando de uma letargia política, parte causada pelo isolamento social, parte pela boa vontade com que se costuma receber um novo governo. Associações de classe, intelectuais e políticos começam a lançar manifestos em defesa da estabilidade democrática. O povo foi às ruas neste domingo em defesa da democracia - ainda que tenha sido um movimento caótico e que resultou em depredações.


É preciso resistir às pretensões autoritárias do clã Bolsonaro. Resistir enquanto é possível a resistência. Que seja, contudo, uma resistência pacífica. Que as ruas sejam tomadas sem violência, mas com indignação. Que se escutem palavras de ordem, mas não vidros quebrados. Que os democratas não ofereçam ao arrivista, o pretexto para usar a força.



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