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CRISES DA REPÚBLICA

Como nos defendemos das versões oficiais?


Imagem de David Mark por Pixabay


INTRODUÇÃO


Será discorrido neste ensaio sobre o livro Crises da República de Hannah Arendt, que foi uma filósofa de origem judaico-alemã, que viveu nos EUA após fugir de um campo de concentração para onde havia sido enviada pelo regime nazista, nos anos 1940. Sempre muito atuais, os assuntos abordados pela autora transitam por política, autoridade, revolução e democracia, como protótipo do sistema republicano.

Arendt sempre se preocupou com sistemas de democracia representativa, sendo que esse tipo retira do indivíduo a possibilidade de atuação direta sobre as decisões de interesse público. A filósofa sempre defendeu a ideia de que na modernidade surgiu o modelo ocidental de atomização política e apolitização do ser humano, em um processo de individualismo e alienação quanto à coisa pública.

A divulgação dos Documentos do pentágono, em 1971, decorria de um indiscutível crime contra a segurança nacional dos Estados Unidos, pois os documentos que contavam a ação americana no Vietnã eram secretos e foram furtados. A Corte Suprema dos Estados Unidos derrubou a tentativa do governo de proibir a sua divulgação.


OS DOCUMENTOS DO PENTÁGONO


A história de 47 volumes, consistindo em aproximadamente 3.000 páginas de narrativa e 4.000 páginas de documentos anexados, levou 18 meses para ser concluída. Ellsberg, que trabalhou no projeto, tinha sido um ardente defensor inicial do papel dos EUA na Indochina, mas, no final do projeto, havia se tornado seriamente contrário ao envolvimento dos EUA. Ele se sentiu obrigado a revelar a natureza da participação dos EUA e vazou grandes porções dos jornais para a imprensa.


Conforme o site History, o Pentagon Papers foi o nome dado a um estudo secreto do Departamento de Defesa do envolvimento político e militar dos EUA no Vietnã de 1945 a 1967. Enquanto a Guerra do Vietnã se arrastava, com mais de 500.000 soldados dos EUA no Vietnã em 1968, o analista militar Daniel Ellsberg, que havia trabalhado no estudo, chegou a se opor à guerra e decidiu que as informações contidas nos documentos do Pentágono deveriam estar disponíveis ao público americano. Fotocopiou o relatório e, em março de 1971, entregou a cópia ao The New York Times, que publicou uma série de artigos contundentes baseados nos segredos mais contundentes do relatório.


Um artigo de 1996 no The New York Times disse que os Documentos do Pentágono demonstraram, entre outras coisas, que a Administração Johnson "sistematicamente mentiu, não só para o público, mas também para o Congresso "Ao povo e seus representantes eleitos é negado acesso àquilo que precisam saber para formar opiniões e tomar decisões, e os protagonistas, que receberam autorização superior para conhecer todos os fatos relevantes, mantêm-se bem-aventuradamente ignorantes deles".(ARENDT, 2015, p.35)


No longo prazo, esse esforço por substituir a verdade dos fatos por versões falsas, gera uma espécie de cinismo generalizado, que passa a se manifestar em relação a qualquer fato ou evento histórico, por mais estabelecido que este tenha sido. Os medos, do impacto da derrota, não eram para o bem estar da nação, mas para a reputação do país e de seu presidente.“[...] como se a marca da derrota na guerra fosse apenas a humilhação” (ARENDT, 2015, p. 23).


MENTIRAS E PROPAGANDAS


Os EUA, como queriam ter a imagem de maior potência do mundo, utilizavam de técnicas de relações públicas para proliferação de mentiras deliberadas, por meio das informações, no intuito de promover determinados interesses políticos, para normalizar um regime que cerceia as liberdades e silencia a oposição. “A manipulação é o que rege a mente das pessoas e, portanto, é o que rege o mundo” (ARENDT, 2015, p. 25).

A construção social da realidade é maior do que a soma dos fatos e acontecimentos, pois a sua compreensão e legitimidade dependem fundamentalmente da maneira pela qual tais eventos são apresentados. Os responsáveis por contar a verdade dos fatos, o jornalista, o historiador, o romancista, são, por excelência, contadores de histórias. O filme The Post –a guerra secreta (2018) mostra em detalhes a saga do jornal estadunidense The Washington Post para publicar partes de um memorando que comprovava que o governo dos EUA mentia à opinião pública sobre a iminente derrota na Guerra do Vietnã (1959-1975). Os documentos, que ficaram conhecidos também como Papéis do Pentágono, distenderam o debate sobre os limites da liberdade de imprensa no estado democrático de direito versus o direito das pessoas à informação.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A condição para evitar tão indesejáveis desvios, passa necessariamente pelo ato político de proteger certas narrativas da subversão deliberada dos que ora ocupam o poder. Isso não pode ser realizado senão pela defesa das instituições e práticas que foram desenvolvidas historicamente, a fim de produzir conhecimento tão fidedigno quanto possível sobre a realidade.


Não é por mero acaso que se observa no tempo atual um ataque tão obstinado à imprensa livre, às universidades e às artes. Elas representam os diques erguidos contra a substituição pura e simples da história por falsificações decretadas pelos poderes de plantão. Tais instituições fomentam e robustecem o debate público, o que talvez não seja possível no ambiente virtual, em que as pessoas tendem a absorver informações e perspectivas que, na maioria das vezes, apenas reforçam os seus próprios pontos de vista.


O dilema é que, embora sejam instituições e práticas que emergem do reconhecimento, por parte da sociedade, da importância de haver entidades capazes de fiscalizar, controlar e orientar o poder que estejam fora do domínio político do Estado, para funcionarem a contento, elas dependem de um governo democrático, que respeite as liberdades de expressão e associação, os direitos à dignidade e à autonomia.


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