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Foto do escritorHatsuo Fukuda

DA REVOLUÇÃO NASCEU A GASOSA


A Revolução Federalista no Paraná levou à dissolução final da Colônia Cecília, experiência anarquista, e levou um de seus líderes, Egizio Cini, a fabricar cerveja e gasosa. Da Revolução nasceu a gasosa Cini.



Imagem de Facebook



Quando Gumercindo Saraiva chegou à Lapa com seus três mil soldados, encontrou um oponente à altura, o Coronel Gomes Carneiro, à frente de 900 homens, parte soldados, parte voluntários. Carneiro, como Gumercindo, era um líder. Havia abandonado o estudo de Humanidades para alistar-se como Voluntário da Pátria (na Guerra do Paraguai), onde ganhou suas primeiras medalhas por bravura e a seguir abraçou a carreira militar, tendo sido promovido postumamente ao generalato. Conta-se que o presidente Floriano, ao saber da queda da Lapa, comentou: “Então o Carneiro morreu”, pois sabia que haveria rendição somente com a sua morte. Num país pobre de heróis, Carneiro era um verdadeiro herói.


Discute-se a sabedoria de Gumercindo em promover o cerco da Lapa, havendo objetivos estratégicos maiores a alcançar. Não há dúvida que o caudilho, carente de formação militar, perdeu o timing da guerra civil com o cerco. Mas esta era um revolução sem objetivos e sem uma liderança política e militar centralizada. Era apenas uma erupção vulcânica da desordem política e militar típica da América Latina. A derrubada da monarquia brasileira abriria as portas para os pronunciamentos militares e civis que caracterizam a história da região desde a chegada dos espanhóis na América. O Brasil, graças à Monarquia, havia permanecido relativamente imune à baderna. A República abriria as portas ao caos e ao atraso. Os próximos 40 anos veriam o país largado a oligarquias regionais atrasadas e sem visão. O Brasil se acomodaria à letargia de um imenso matagal, embalado por poetastros parnasianos e juristas verborrágicos. A Revolução Federalista e seus caudilhos – Gumercindo tinha vindo do Uruguai – era apenas um prenúncio da desordem, implantada a pretexto das autonomias locais.


No Paraná, a Revolução Federalista, como um tufão, resolveu situações, ou encaminhou-as ao desfecho a qual se destinavam, ou simplesmente passou pelas vidas, ignorando e sendo ignorada. A grande corrente da humanidade por um momento viu aquelas pequenas aldeias paranaenses despertarem para algo maior do que seus humildes quotidianos. E, se observarmos atentamente os personagens, ainda reverberam entre nós.

Naquele ano de 1893, a Colônia Cecília sofreu um grande impacto pela Revolução. Parte dos colonos simpatizava com as ideias revolucionárias, mesmo que elas não tivessem forma ou programa claro, e aderiu ao Batalhão Italo-Brasileiro que foi formado pelos revolucionários. O próprio Giovanni Rossi, líder da colônia, juntou-se à tropa de Gumercindo, com o título de capitão-médico (ele era veterinário). Rossi comentou, a propósito, com um bom humor italiano: “Eu deveria ir, pois quando faltam os cavalos, trocam os jumentos”. A colônia, que havia sido formada três anos antes, já claudicava, lutando com um problema estrutural: formação heterogênea dos colonos (parte intelectuais, parte trabalhadores urbanos, parte trabalhadores agrícolas), desacostumados à lida agrícola. Além disso, era mais rentável aos colonos trabalhar nas obras do governo na construção de estradas do que na própria colônia. A Revolução agravou todos os problemas, levando-a à dissolução final.


Um dos colonos, Egizio Cini, foi preso por quarenta dias, acusado de auxiliar um revolucionário foragido, Emílio Sigwalt. A tropa legalista, nada obtendo dos colonos, destruiu o moinho de fubá que havia sido construído por Cini e seus companheiros. Tratava-se de uma perda imensa, para italianos que tinham a polenta como seu pão quotidiano. Quando Egizio Cini retornou de suas férias forçadas, a Colônia já não mais existia.


Cini, depois de um período em Palmeira, seguiu seu caminho, ainda embalado por seus ideais anarquistas, fundando um periódico em Curitiba, Il Diritto Libertário, que pouco durou. Para ganhar a vida, dedicou-se, com todos os familiares, a fabricar uma cerveja, Maltinha, que foi produzida até que uma outra guerra, a 2.ª Guerra Mundial, interrompesse o fluxo dos produtos indispensáveis à sua fabricação. Egizio Cini já havia falecido, e seu filho Hugo tomara as rédeas do negócio. Hugo Cini havia nascido na Colônia Cecília. Sob sua direção, a empresa se transformaria em um dos grandes empreendimentos capitalistas da província, uma das grandes ironias da nossa história. O escritor Arnoldo Monteiro Bach conta:


“As vendas eram realizadas por carroças que saíam carregadas com 60 ou 70 dúzias no começo da semana, levando capilé, aguardente, gasosa e cerveja. Durante a Segunda Guerra Mundial, com o alto custo para fabricação de cerveja, a fábrica interrompeu a produção. (...) A preparação da gasosa era feita por Hugo Cini, enquanto um funcionário conhecido por Preto Velho girava a manivela de pressão para a gasificação. A gasosa era preparada manualmente. As essências vinham da Alemanha, nos sabores framboesa, limão, abacaxi e gengibre e o procaroli especial, caramelo, que vinha em barricas de 200 litros e que dava cor à cerveja, quando ainda as matérias primas importadas resultavam em um produto de baixo custo.”


Da Revolução nasceu a gasosa.



O livro do escritor Arnoldo Monteiro Bach, Colônia Cecília, é pródigo em histórias interessantes sobre a colônia e seus personagens. Comprei o meu exemplar no Restaurante Girassol, em Palmeira. Está à venda no caixa do restaurante.


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