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Aparecido Hermenegildo

DEAR JOE

Lá na Praça da Desgraça (ao lado do banheiro dos cachorros), no cantinho onde o Primo Apa se esconde dos credores, ele não deixa de se preocupar com os problemas da humanidade. Sei que muitos o procuram atrás de conselhos – com o passar dos anos sua fama de sábio se espalhou – e ele atende a todos, de esquerda e direita, capitalistas ou comunistas. Por um preço, claro. Não fosse a cláusula de confidencialidade, vocês ficariam abismados com os clientes que já atendeu e se deram bem na vida.

Por exemplo, um oficial que havia sido expulso da Gloriosa – no names, please – a quem aconselhou. Como o homem era burro como uma porta, e ganancioso como uma hiena, a melhor solução, segundo o Primo Apa, seria virar deputado federal. Para aumentar a renda – deputado ganha uma mixaria -, sugeriu umas rachadinhas. Deu-se muito bem, o guloso.


Agora, preocupado com o aquecimento global, resolveu escrever uma carta para o Joe. Segundo o Primo Apa, Joe é um cara bem-intencionado, e tem a vantagem de não pintar os cabelos de vermelho, como o antecessor. Resolvi publicá-la, visto que Joe não quis ou não pode responder. Talvez tenha sido por causa daquele probleminha com a Jill? Mas não aconteceu nada, eles são apenas amigos, desde aquele incidente antigo. Esqueça, Joe, a Jill ama você.


Lá vai:


Hatsuo Fukuda

Imagem aérea da praça que homenageia a Colônia Cecília em Palmeira.



“Dear Joe:”


( A partir de agora vou traduzir, para não humilhar os monoglotas que nos lêem ).


“Embora o seu antecessor maldosamente o apelidou de Sleepy Joe, nunca concordei. Eu sei que, no intervalo entre as sonecas, você é um cara esperto. Tanto é que ganhou a presidência, apesar do furdunço que o vermelhão aprontou no Capitólio. Agora, como sei da sua preocupação com o aquecimento global, escrevo para dar umas sugestões. Tentei falar com a Jill, da última vez que estive em Washington, mas ela estava com olhos arregalados e não conseguia falar direito. Eu só entendi algumas palavras desconexas: “Oh! ...stinky... My God... Horror, horror...”. Ela desmaiou, acho que por causa do calor que faz aí. Sei que não foi por minha causa, afinal, somos velhos amigos (não dê ouvidos aos boatos, quando estudamos juntos éramos apenas friends. Best Friends, ok? BFF), e eu já tinha tomado meu banho anual.


Bem, a questão se resume, na minha opinião, ao uso da energia renovável. É inevitável. Precisamos acabar com a energia fóssil, e utilizar fontes limpas e ecologicamente adequadas. Pois saiba que no Brasil já temos a solução para os problemas do mundo. As turbinas de energia podem ser alimentadas com energia renovável, limpa e barata. Os especialistas já fizeram os cálculos. A mão de obra no Brasil se encarregará de mover as turbinas, como no filme Ben Hur, onde os remadores movem as galeras romanas. Na minha proposta, seriam construídas rodas gigantes, onde os trabalhadores subiriam os degraus, e com isso as turbinas seriam acionadas.

Esse pessoal costuma comer pouco, e não precisa uniforme – esse é um país tropical, abençoado por Deus e uns panos bastam para cobrir as vergonhas - ou mesmo guardas para vigiá-los. Basta colocar umas correntes nos pés e nas mãos, e eles percorrerão a roda e acionarão as turbinas. O pulo do gato da minha proposta é que, quando morrerem – afinal é inevitável – eles poderão ser usados para fabricar ração para cães e gatos. Ração saudável e ambientalmente correta. Pegada de carbono zero. Nenhum ecologista vai poder reclamar. É importante, no meu plano, que sejam tratados igualmente os colaboradores: homens, mulheres, LGBTs, brancos, negros, índios, todos terão direito ao privilégio de gerar energia para o mundo nas nossas rodas gigantes e alimentar os cachorros e gatos.


Caso você se interesse, mande um emissário conversar com o Abilolado do Cercadinho. Ele vai negacear, mas nada que uma rachadinha não resolva. Uma dica: não fale que é ambientalmente correto e que os gays e mulheres serão tratados igualmente aos machos. Ele detesta isso. Fale que os cachorros vão ter uma alimentação mais balanceada. Ele vai gostar.

Lembranças para a família, em especial para Jill.


Apa”



Aparecido Hermenegildo Bueno Gago Bicudo, traficante desempregado, de tradicional família paulistana, é um sábio chinês que vive no ostracismo, na Praça da Desgraça, ao lado do banheiro dos cachorros. É um homem empreendedor, competitivo, que ganha o pão fazendo malabares na esquina da Rua Barão do Cerro Azul com Treze de Maio. Quando obtém crédito (o que é raro), é traficante de drogas. Está a venda por quase nada, e escreve neste blog todo sábado por um martelinho de cachaça.

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