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Direto zigue-zague


A lógica aqui é inseparável do lúdico.


Defórmica, de Eliane Prolik.


Há momentos no curso de uma obra em que todos os seus esforços, toda a soma heterogênea de seu passado, parecem de golpe se resolver. Fluida, tranquila, decididamente. Dentro do trabalho de Eliane Prolik, Defórmica representa um desses momentos em que as suas múltiplas referências, suas errâncias, aberturas e impasses, entram em acordo súbito e irreprimível. Quase por livre e espontânea vontade, como se dispensassem o arbítrio da artista. E justo para confirmarem um destino poético, a validade de seus experimentos. Rápida e certeiramente, Defórmica vai direto ao ponto, o que, no caso, significa evoluir sempre em zigue-zague.


Essas réguas sibilinas desde logo aparecem, surgem sem ter que se indagar sobre sua origem, vencem o retângulo a priori que inibe a presença atual da forma. Claramente, elas são da ordem da euforia e não da aporia – tudo abre e se distende nesse presente estético que de imediato mobiliza o futuro. A sua única premissa é dinamizar-se indefinidamente, fugir a todo o custo de configurações fechadas. Ao mesmo tempo, contudo, empenham-se em afirmar unidades formais abertas mas convincentes. Em cada contexto de apresentação, elas se mostrarão ligeira mas necessariamente diferentes. Ao aderir ao entorno contemporâneo, não euclidiano, Defórmica anuncia a feliz possibilidade de ordens instáveis e transitórias, por isso mesmo, atraentes. Colada ao plano do mundo, em franca empatia com a matéria mais comum do mundo, ela convoca um olhar qualificado e exigente, que se renova pelo exercício constante de perceber e discriminar diferenciações formais básicas, a incluir sem distinção, com a mesma intensidade, geometria e luz.


Dada sua inequívoca origem minimalista, Defórmica já parte de elementos discretos, nunca de figuras geométricas ideais, a atuar no espaço vivo e literal. E emprega uma topologia casual, muito distante, quase irônica em relação às utopias construtivistas e suas especulações em torno da Fita de Moebius. É flagrante: a lógica aqui é inseparável do lúdico. Assim, também a cor não é nada que se vá buscar e rebuscar numa química introspectiva de pintura – trata-se de cores extrínsecas, públicas, sinais luminosos que atingem prontamente nossa retina. Dito isso, tudo deve corresponder a certo temperamento lírico. Operação, no final das contas, de espírito bem moderno: o que a move é a busca de singularidades. Em zigue-zague, somente em zigue-zague, posso articular e desarticular formas que venham a atualizar o axioma moderno por excelência – a perpétua flexibilidade do real.


Na verdade, todo esse zigue-zague vem do fundo e vem de longe. Ele começa no plano do inconsciente histórico, no típico entrelaçamento moderno da alta e da baixa cultura, nas marchas e contramarchas entre o pensamento autônomo da forma e o processo anônimo de reprodução industrial. Um exemplo basta: o catálogo-padrão de 28 cores que a artista utiliza. Como não notar aí o influxo da cor matissiana, em especial a das colagens do último Matisse? Em zigue-zague, ela rebate de volta agora sobre uma prática de arte contemporânea. E cumpre nesses Objetos Específicos, para evocar sem maiores compromissos a formulação minimalista ortodoxa, um papel efetivo – porque a lógica divertida que preside essas associações cromáticas trata de soltar essas réguas, liberá-las ao espaço físico, a difundir e irradiar luz até deixar a sala leve, quase sem gravidade.



Defórmica de Eliane Prolik pode ser contemplado no hall de entrada do Edifício Mariano Torres Corporate, na Rua Mariano Torres, 729.

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