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DIVAGAÇÕES DO PRIMO APA


O retorno às tradições dos povos originários é a salvação do planeta, segundo o Primo Apa





Encontro o Primo Apa vasculhando uma lixeira na Rua XV. Absorto, não percebe minha presença. Como ele é vegano de coração, como eu, sua busca extrativista se concentra nos vegetais, nunca nas carnes. Uma alface murcha não deixa de ser alface. E um tomate podre pode ser aproveitado. É o que temos por hoje. Nas lixeiras próximas a restaurantes sempre sobra algo bom. O Primo Apa é um adepto das práticas tradicionais dos povos originários, e vive de extrair, ecologicamente, aquilo que a natureza dá. Cumprimento-o, alegre, pois sempre é um prazer conversar com homens cultos e vividos. Reparo nos farrapos em que ele está embrulhado, aparentando ter saído da lavanderia (ecologicamente correta, usa uma quantidade mínima de água reciclada) há poucos anos.


Nestes tempos de aquecimento global, diz o Apa, precisamos nos preparar. E a sabedoria dos povos originários, segundo ele, será a salvação do Brasil e do planeta. E do sistema solar, acrescenta, enigmaticamente. Ele critica a ministra Marina pela timidez e falta de visão ambiental. E a ministra Sônia, segundo ele, deveria ser proibida de usar o nome Guajajara, por ser uma traidora dos ideais nativo-americanos. Ele explica, em uma algaravia pouco compreensível, em que mistura línguas nativas – ianomanis e guaranis – com citações de filósofos alemães e gregos (ele ditou Sein und Zeit a Heidegger, que se apossou da autoria).


Sônia Guajajara e Marina, segundo ele, são contra a construção da Ferrogrão, que escoaria soja e trigo para os portos da Amazônia, com isso barateando o custo da exportação dessas comodities. Trata-se de uma sandice, segundo Apa. A ferrovia seria construída à margem da rodovia, com isso eliminando a necessidade de caminhões para o transporte da soja. A pegada ecológica seria bem menor, mas segundo ele vociferava entre dentes, insuficiente.


A solução que Marina e Sônia sabem, mas por miopia se recusam a admitir, é o retorno às práticas tradicionais dos povos nativos, que deu certo durante centenas de anos, preservando a floresta e garantindo uma vida melhor para os povos indígenas, ou seja, carregar os produtos no lombo dos nativos. Na realidade, das mulheres originárias, porque os machos originários se dedicam à caça e pesca, deixando às mulheres e crianças a tarefa de transporte. Em sua sabedoria, os povos originários mantem as mulheres e crianças fazendo atividades que não exigem capacidade intelectual, somente física. É a sabedoria ancestral dos povos nativo-americanos e não deve ser desrespeitada.


Pegada de carbono zero!”, gritava o primo entre perdigotos e o hálito de um uísque doze anos, achado perto de uma loja de conveniências.



Primo Apa é descendente de uma das tribos originárias que povoaram o Brasil, antes da chegada dos portugueses. Essas tribos se acasalaram com paulistas e construíram uma aldeia, chamada Piratininga. Seu sonho é construir o Reino da Apalândia, ocupando as terras imemoriais indígenas, do Mar do Caribe à Patagônia, onde as tribos poderão viver em paz, de acordo com seus costumes e tradições. Curitiba voltará a ser a Terra de Muito Pinhão, onde poderemos pescar lambaris no Rio Belém, vivendo em pacíficas comunidades construídas com os restos da falida civilização européia.

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