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FESTA NO ARRAIAL


A feira julina da Praça Osório está fazendo o maior sucesso. O caminhante noturno observa.



Imagem de Hatsuo Fukuda.



A festa julina da Praça Osório está bombando. O frio invernal soprou sobre Curitiba durante alguns dias e se foi, e a turma aproveitou o calor para ir à praça. A praça de alimentação rodeia o chafariz e é lá que o pessoal se acotovela, em torno das barracas de comida. O vinho quente e aromatizado com canela é servido em quase todas as barracas, tomando conta da praça. Uma delas, com letras garrafais: PAMONHA, é o centro de atenções. As pamonhas envoltas em folhas de milho, o curau, as espigas de milho cozidas, o bolo de milho, são várias as tentações. Um sentimento atávico leva uma multidão às doçuras caipiras. Quantos de nós vivemos estas festas juninas e julinas nos pequenos arraiais do interior, em um tempo em que existiam pequenas vilas quase isoladas, com estradas precárias, em meio a cafezais imensos? A juventude que ali estava não viveu isso.


Mas lá estavam todos, fazendo fila para a pamonha e o curau.


Encostado na grade do chafariz, penso em comer uma pamonha, mas minha atenção é distraída por um padre e uma freira em uma barraca. Ambos vestidos à caráter, como se vestiam os padres e freiras antigamente. E insolitamente, do outro lado, na mesma barraca, aguardando o pedido, duas mulheres vestidas como antigamente se vestiam mulheres cuja profissão era se desvestir. Fariam parte de uma quadrilha de festa junina? Mas não estavam juntos, cada dupla em seu canto, ignorando-se mutuamente. Seria um padre verdadeiro ou um padre de festa junina, um padre festeiro? Mas ambos estavam sérios e silenciosos, como se imagina que padres e freiras sejam, preocupados com as questões do além.


Uma das mulheres digitava no celular. Suas roupas justas e decotadas mostravam mais do que seria aconselhável em uma festa familiar.


Penso que padres, freiras e prostitutas, verdadeiros ou falsos também se alimentam e me dirijo à outra barraca, dividido entre a pamonha e o curau. Ou a espiga de milho? Vejo que a fila é grande. Minha vontade é menor que a fila, e resolvo matar a fome com os restos do pão seco do dia anterior, que me aguardam no tugúrio que é o meu abrigo. Sigo meu caminho de andarilho solitário.


Na Boca Maldita, ali adiante, vejo que as contumazes figuras que a habitam já se retiraram. Os velhinhos se recolhem cedo. Amanhã retornarão, prontos a partilhar as notícias frescas da eleição que se aproxima. Dizem que devemos escolher um novo alcaide. A cidade está precisando de ideias novas. O apocalipse está próximo, e os candidatos se voluntariam para impedir a hecatombe que inevitavelmente tomará conta da cidade, caso não sejam eleitos.


O McDonalds, com seu interior sanitizado e distante dos arraiais caipiras, sugere uma casquinha de baunilha. Passo.


Em frente ao Bondinho, os dois Cachorros me tentam com seu pernil e seu chope. Mesas lotadas. Passo.


Um carro da PM passa por mim, lotado de policiais bem armados. Estamos seguros, dizem com ar confiante. Passo.


Mas o padre, a freira e as prostitutas continuam na minha mente, um falso eco de lembranças de um passado que não foi meu, mas que guardo em um cantinho da memória. De um tempo em que padres eram de verdade, prostitutas se encontravam nas zonas, e estas ficavam em estradas, distantes das mulheres honestas (havia mulheres honestas e as não honestas). Que mundo, este. Que mundo, aquele.


Passo. Sigo meu caminho.

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