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Arthur de Lacerda Neto

GENEROSIDADE E INGRATIDÃO. FRANQUEZA E GROSSERIA.


A gratidão integra o caráter de homem bem formado, dotado de sensibilidade e de empatia.


Arthur Virmond de Lacerda Neto

Imagem de Michaela por Pixabay


GENEROSIDADE E INGRATIDÃO.


A generosidade e as ações generosas revelam o caráter do generoso; a ingratidão e as ações ingratas, o do ingrato.

Quando o generoso atua, não o faz para exigir gratidão e sim porque a generosidade pertence-lhe ao caráter; quando o ingrato atua, fá-lo por defeito axiológico, por insuficiência de simpatia, de empatia, por egoísmo, por indiferença em alguma proporção para com o benefício que se lhe fez.


Algumas pessoas sentem-se decepcionadas com a ingratidão das pessoas a quem favoreceram, com sua falta de consideração, de reconhecimento: esperavam alguma gratidão, algum reconhecimento, alguma palavra de agradecimento (obrigado), algum gesto de reconhecimento, máxime se atuaram por pura generosidade a que não estavam obrigadas, desinteressadamente. É defeito de caráter do ingrato sê-lo; a ingratidão revela estar o ingrato aquém da generosidade de que foi objeto: seu caráter era receptivo para receber o benefício, sua afetividade não é sensível para sentir ou exprimir gratidão. Ingratidões suscitam o fim da dedicação.


Até será esteticamente bonito dizermos que a generosidade diz da virtude do generoso e que a ingratidão diz do defeito do ingrato, o que não minimiza as possíveis decepção e mágoa de quem sofre a ingratidão. O ato de generosidade praticado magnanimamente, sem expectativa de retribuições, como pura doação, pode sequer incluir expectativa de gratidão que, no entanto, é legítima; a gratidão integra o caráter de homem bem formado, dotado de sensibilidade e de empatia. No ingrato hemos de reconhecer quem, porventura, não nos mereceu a magnanimidade ou, quando menos, não no-la merecerá novamente.


FRANQUEZA E GROSSERIA.


Grosseria é a atitude ou a declaração cuja forma é impolida, cuja maneira de exprimir é reles em sua enunciação ou desnecessariamente desagradável em seu conteúdo para o interlocutor da circunstância; muitas vezes ela resulta de carência de empatia. Nem toda enunciação desagradável para o interlocutor é grosseira; nem toda enunciação reles passa por grosseira: ela existe ou não, e existe em graus diversos relativamente à situação em que transcorre a atitude ou a comunicação.


Grosserias não despertam simpatia e possivelmente suscitam antipatia; a sinceridade pode e deve ser acompanhada de gentileza, empatia, bom senso.


Franqueza é a atitude na vida de relação em que exprimimos nossos pensamentos, sentimentos, preferências, sinceramente, sem dissimulações nem simulações: comunicamos, com verdade, o que pensamos, sentimos, preferimos, de que desgostamos.


É franco quem manifesta, por exemplo, seu desgosto por livro que lhe ofereceram, sua inapetência por iguaria que lhe servem, seu desagrado para com pessoa que conheceu. Podemos exprimi-los com grosseria ou polidamente:


Grosseiramente: achei este livro uma merda, esta comida é uma bosta.

Polidamente: este livro não é de minha preferência, este prato não me apetece. Ele de gentileza superior abstém-se de comentários que tais para quem lhe oferece o livro ou a iguaria, pelo menos no ato.


Virtude da polidez é a de que por ela procuramos transmitir com algum eufemismo de forma, com abrandamento de expressões tal que não magoe, não agrida, não impressione adversamente o interlocutor ou o impressione menos: quer-se evitar melindrá-lo.


Virtude da franqueza é a de que com ela exprimimos diretamente o que sentimos ou pensamos, sem dissimulações nem simulações, sem reticências (em que ocultamos parte de nosso sentir ou pensar) nem embelezamentos de linguagem.


Desvirtude da grosseria é a de que a expressão linguística, a forma empregada, não poupa o interlocutor de porventura sentir-se maltratado ou de que ela seja socialmente malvinda, no contexto em que a praticam.


A grosseria é-o relativamente ao contexto, ao grau de formalidade dos interlocutores, ao ambiente social em que se dá a declaração, ao assunto: a mesma enunciação será grosseira em um contexto e não em outro, para dado interlocutor e não para outro, em certa situação psicológica e não em outra.


Por exemplos:

(a). Em ambiente profissional, proferir impropérios é grosseria; entre amigos habituados a soltura de dizeres não necessariamente.


(b). Dizer: “Com licença, a vez é minha” é polido; dizer: “Ô, estou na vez” é grosseria.


(c). Diante de iguaria que anfitrião nos serve e que não nos apetece, é delicado não nos servirmos dele completamente e nada dizermos a seu respeito; será grosseria: “Não gostei disto”; “Achei ruim” se nossa relação com o anfitrião não nos permitir tal liberdade.


(d). Amigo saudoso nos abraça: é grosseria dizer-lhe: “Não gostei de que tu me abraçaste na rua”; é delicado nada dizer-lhe ou dizer: “Desculpe, não gostei de que tu me abraçaste na rua”; “Posso dizer-te uma coisa ? Não gostei de que tu me abraçaste na rua”; será preferível dizê-lo no final da conversa ou posteriormente, sem inflexão impositiva nem rude. A delicadeza reside no que se diz, bem assim no tom e na construção linguística com que se diz.


Há linguagem grosseira: é a que se compõe de turpilóquios, obscenidades, vulgaridades de linguagem:


I. Porra meu, tira o cu da cadeira.


II. Cara, tu é foda.


III. Não encha o saco.


Há linguagem polida: é a que se compõe de léxico elevado, de gentileza, de empatia, de simpatia (coteje com as frases acima, uma a uma):


I. Dê-me licença no sofá.


II. Eu me parece que sua atitude foi errada.


III. É melhor parar de ser impertinente.


Há ambientes de gente grosseira e outros, de gente polida: nesta, há padrões de comportamento em que a média, a maioria, até a totalidade dos comportamentos é gentil, implica eufemismos de linguagem, reticências em que se calam declarações ofensivas ou desagradáveis; naquela, prevalecem padrões de comportamento em que a média, a maioria dos comportamentos, não se rege necessariamente pela gentileza, não prevalecem eufemismos de linguagem, tampouco reticências em que se cale o que possa ser ofensivo ou desagradável.


Podemos escolher ambientes grosseiros ou polidos, gente grosseira ou polida, companhias grosseiras ou polidas, sermos grosseiros ou polidos, seguirmos exemplos de rudes ou de gentis.


A convivência com gente descortês e tosca desabitua homem à gentileza e à polidez, e desensina-lhas.


A convivência com gente cortês habitua homem à gentileza e à polidez, e ensina-lhas.


LHA = LHE + A. LHO = LHE + O.


Os eufemismos de linguagem destinam-se a contrariar alguma grosseria: este prato não é propriamente dos que me apetecem; fulano não é dos meus melhores amigos; há filmes de que gosto bem mais; a companhia do fulano já foi melhor, conquanto expressões desta natureza possam ser empregadas em sentido próprio, não como eufemismos. Agora, as mesmas, sem atenuações: não gosto deste prato, fulano não me é amigo, não gosto deste filme, fulano é má companhia.


É expressão que elide eufemismo e que anuncia declaração direta: “Falando em português bem claro [...]”, “Para ser bem direto [...]”; “sem papas na língua” ou “não ter papas na língua” exprime a franqueza dos francos.

Formas polidas e peremptórias de evitarem-se assuntos: “Desculpe, prefiro não falar disto”, “Queira desculpar-me: não quero falar disto”; formas nem polidas nem grosseiras de evitarem-se assuntos: “Prefiro não falar disto”, “Não quero falar nisto”; forma evasiva de evitarem-se assuntos: “Depois falaremos disto”; forma grosseira (e contudo eventualmente justificável) de evitarem-se assuntos: “Não é da sua conta”, “Meta-se com a sua vida”. A inflexão de voz (já amável, já ríspida, já impositiva, já humilde) concorre para a formação da grosseria ou para sua elisão.


À franqueza rude é aceitável replicarmos com franqueza rude recíproca, de que o locutor não se poderá queixar, por haver tomado ele a iniciativa de empregá-la; o interlocutor aplicar-lhe-á tratamento recíproco: quem diz o que não deve, da forma como o não deve, escuta o que não quer. Ela suscitará animadversões e até ódios; em certos ambientes e para certos interlocutores, com quem a falta de liberdade, de familiaridade, de intimidade desautorize-a, é imperativo pouparmo-los de asserções suscetíveis de serem rudes ou de serem tomadas como tal. As palavras podem sair leves de quem as redige ou profere e chegar pesadas a quem as lê ou escuta, motivo por que é de civilidade, de polidez, nortear-se ele por bom senso no que se diz e como se diz.


Verbi gratia:


(a).

— Acho que devia largar sua mulher.


— Cuide de sua vida que da minha trato eu.


(b).

— Você é veado e não gosto de veados.


— Sua opinião cretina de cretino não me importa e vá tomar no cu. Ou:


— Foda-se.


No meio jurídico prevalecem a polidez e alguma formalidade; entre jovens prevalece informalidade e menos polidez.


Em Curitiba é ou era inaceitável a franqueza: toda sinceridade adversa ao interlocutor passava por grosseria, o que implicava a obrigação social de ser dissimulado, de fingir-se o que se não sentia ou pensava, e de ocultar o que se sentia ou pensava. Alhures não é assim: no Brasil as pessoas dizem o que sentem e o que pensam com mais liberdade, ainda que porventura antagônica aos pensamentos, sentimentos e conveniências do interlocutor, sem que este leve a mal o que se lhe diz. A diferença entre os curitibanos e os humanos consiste, porventura, no escrúpulo excessivo de não melindrar, dos primeiros e, entre os segundos, na ausência de melindre, de susceptibilidade pessoal, na compreensão empática de que cada qual pode sentir, pensar, atuar a seu modo, que discrepe dos do interlocutor.


Em Portugal as pessoas são francas e diretas em declarações antagônicas ou não forçosamente agradáveis ao interlocutor, talvez tanto quanto os brasileiros e jamais semelhantemente aos mores curitibanos; daí a impressão, destes, de serem grosseiros os portugueses (e espanhóis) em geral; veramente, os curitibanos diferem da maioria das demais populações e não servem como parâmetro na vida de relação.





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