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Foto do escritorTião Maniqueu

EM NOME DA GOVERNABILIDADE



A cada passo o governo curva-se mais um pouco...


Imagem de Gustave Doré, para a publicação de Gargântua de 1873 - Fonte Wikipedia.


Gargântua é um personagem do romance clássico de Rabelais, originalmente publicado em 1534. Era um gigante e, como tal, tinha um apetite gigantesco. Seu filho, Pantagruel, granjeou maior fama no que diz respeito aos excessos da mesa, dando origem ao termo pantagruélico. A obra foi considerada obscena em sua época, por conta do discurso licencioso, do humor negro e passagens picantes. Além de aproveitar os lucros que Gargântua e Pantagruel traziam, já que as obras eram muito populares, Rabelais aproveitou para fazer críticas aos ricos, aos poderosos e à Igreja.


Hoje, Gargântua vive e farta-se no Congresso Nacional. Seu apelido atual é Centrão e, para fazer justiça à história, mantém um apetite voraz. De fato, o Gargântua do Congresso Nacional é insaciável. O poderoso que precisa lidar com este Gargântua é Lula, atual Presidente da República. E, tal como ocorreu nas obras de Rabelais, mostra pouca aptidão para lidar com o gigante guloso.


A última refeição de Gargântua foi a Presidência da Caixa Econômica Federal. O centrão devorou o cargo de Rita Serrano, um quadro do PT. E, ao que tudo consta, vai devorar, como gorda sobremesa, outras 11 Vice-Presidências. O governo luta para manter tão somente a Vice-Presidência de Habitação, seja porque envolve muitos recursos, seja porque coordena o Programa Minha Casa Minha Vida, tão caro ao PT e tão precioso numa campanha política.


A governabilidade é indispensável, ao menos se o Presidente pensa realizar alguma coisa. Com uma base insuficiente - decorrência da campanha tão acirrada - Lula obriga-se a lidar com o centrão. Arthur Lira prova, quantas vezes for necessário, o poder que possui. Segura pautas de interesse do governo e, quando o governo cede, entregando mais cargos ou mais emendas parlamentares, acena aos membros do centrão que obedientemente votam de acordo com seus desígnios.


O problema é que o Centrão é Gargântua, um gigante insaciável. Se em cada projeto de interesse do governo a refeição for composta de vários cargos importantes, a despensa do Planalto ficará vazia. No governo Bolsonaro, franqueou-se totalmente a despensa do Planalto a Gargântua, que engordou em bilhões e bilhões de emendas do orçamento secreto. Lula busca ser mais contido, mas não mostra muita habilidade. Basta lembrar que o governo já imolou na mesa de Gargântua várias pessoas, de Isabel à Rita Serrano. O governo que se elegeu com a promessa de equilibrar o poder entre os sexos, parece ter preferência por entregar cargos ocupados por mulheres. Ou será que há nisso alguma exigência alimentar do gigante?


Não se trata apenas de desagradar suas bases ou de perder força junto ao eleitorado feminino. Trata-se da aproximação de um impasse. Até quando será possível jogar com o Centrão? Até quando poderá dançar com Gargântua, embalando-se em seu rotundo ventre? Lula deveria ter negociado no início do governo, quando tinha mais créditos e estava em posição privilegiada. Determinar o preço do apoio do Centrão e assegurar-se de ter uma base efetiva de votação. Poderia até ter negociado a pauta de costumes, tão cara à direita, permitindo liberdade de votação nestes temas. Mas deveria ter assegurado certeza nas votações importantes em matérias como finanças, orçamento, reforma tributária e administrativa e outras que são cruciais ao bom desempenho do governo atual.


Talvez por ingenuidade, talvez por arrogância, o fato é que não o fez. E agora fica negociando a cada projeto de interesse, sacrificando seus próprios quadros, imolando pessoas competentes aos apetites de Gargântua. Lula não sabe o que fazer. Rui Costa tampouco sabe. Haddad se desespera. Rabelais teria achado engraçado.




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