top of page

GRANDES POEMAS DA NOSSA LÍNGUA XXXII

A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Cabe agora reverenciar aquele que é, para muitos, o maior poeta brasileiro: Carlos Drummond de Andrade. Lançou seus primeiros versos em 1930 ( Alguma poesia ), aos 27 anos. Formado em Farmácia, não exerceu a profissão. Foi funcionário público por quase toda vida, de maneira que a função pública foi seu mecenas. A literatura brasileira agradece, pois, do contrário, um talento como Drummond poderia ter-se perdido vítima das necessidades da luta pela vida. Embora nascido do Modernismo, apenas herdou o verso livre, maior liberdade de rima, ritmo e métrica, para poetar de um jeito somente dele. Na última publicação, o Poema das Sete Faces saiu em sua versão enxuta, mais popular, comumente recitada. Agora o apresentamos na versão completa. No fundo, é o poema em que o poeta se apresenta e se reconhece.


Imagem de Wikipedia


POEMA DAS SETE FACES


Quando nasci, um anjo torto

Desses que vivem na sombra

Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida


As casas espiam os homens

Que correm atrás de mulheres

A tarde talvez fosse azul

Não houvesse tantos desejos


O bonde passa cheio de pernas

Pernas brancas, pretas, amarelas

Para que tanta perna, meu Deus? Pergunta meu coração

Porém, meus olhos

Não perguntam nada


O homem atrás do bigode

É sério, simples e forte

Quase não conversa

Tem poucos, raros amigos

O homem atrás dos óculos e do bigode


Meu Deus, por que me abandonaste?

Se sabias que eu não era Deus

Se sabias que eu era fraco


Mundo, mundo, vasto mundo

Se eu me chamasse Raimundo

Seria uma rima, não seria uma solução

Mundo, mundo, vasto mundo

Mais vasto é meu coração


Eu não devia te dizer

Mas essa Lua

Mas esse conhaque

Botam a gente comovido como o diabo




Carlos Drummond de Andrade ( 1902/1987 ) - Se não o maior, um dos mais influentes poetas brasileiros. Escreveu sobre diversos assuntos, de questões metafísicas às misérias do cotidiano, passando por política. Mineiro de Itabira, viveu por décadas no Rio de Janeiro. Além de funcionário público, foi poeta, contista e cronista, escrevendo para diversos jornais importantes. Drummond tem um estilo único, em que mistura ou permeia muita ironia, empatia e visão do mundo.

Comments


bottom of page