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Foto do escritorHatsuo Fukuda

HISTÓRIAS DE AMOR

Amar é... nunca ter que pedir perdão?

Imagem de waldryano por Pixabay


A história da deputada Flordelis e seu falecido marido, o pastor Anderson, está em cartaz nos jornais. Todos devem ter recebido os memes, alguns muito engraçados, que circulam nas redes. Isso me fez lembrar o título de um conto de Adolfo Bioy Casares, escrito em tempos mais amenos do que os que vivemos hoje, “Todas as mulheres são iguais”. Como já disse um poeta sempre reverenciado, Fernando Pessoa, todas as cartas de amor são ridículas. Mas nem por isso deixamos de nos comover com elas, seja na literatura, no cinema, ou no dia a dia dessa nossa combalida imprensa, que às vezes nos traz fantásticas histórias como esta da deputada.

Uma dessas histórias de amor, clássica, que em sua época arrastou milhões aos cinemas – todos com lenços à mão – foi Love Story, com Ali MacGraw e Ryan O’Neal, direção de Arthur Hiller. Não vou repetir a história, todos devem conhecê-la. Não há spoiler, pois desde o início do filme sabe-se que a mocinha morre no final. Execrado por muitos, recebeu, ainda na época, a absolvição de Roger Ebert, meu crítico predileto, que deu ao filme 4 estrelas em 4. Uma nota espetacular, para uma história lacrimejante e feita com o intuito descarado de arrancar lágrimas da multidão – que atendeu ao apelo, e tem derramado lágrimas desde então.

Assistir o filme, hoje, é uma descoberta. O filme, lançado em 1970, em plena efervescência do final dos anos 60, com a Guerra do Vietnã sangrando o país e os campi universitários, retrata estudantes de uma universidade de elite (Harvard), totalmente alheios ao mundo externo, vivendo sua própria busca existencial e amorosa, com uma ou outra referência oblíqua ao mundo para eles indiferente.


Digo descoberta, porque com o distanciamento do tempo, longe da tediosa discussão política (filme alienado, personagens idem), as qualidades do filme e dos atores crescem. Roger Ebert diz que o filme é bem melhor do que o livro, que foi um best-seller, graças ao diretor Hiller e aos atores MacGraw e O’Neal. Bem, assistindo o filme você entende perfeitamente por que ele se apaixona por ela – desde a primeira troca de diálogos entre os dois – e compreende o que ela vê nele – mesmo com seus defeitos. A energia física que une os dois amantes é quase palpável, tudo edulcorado em belíssimos cenários nevados. Ótimos diálogos, bem humorados, e mesmo o famoso e sempre execrado “Amar é nunca ter que pedir perdão”, quando falado por uma MacGraw lacrimejante, passa (ela é sempre convincente). Os que amam, entendem, e derramam rios de lágrimas. Os cínicos se deliciam com a patetice. O próprio O’Neal, no filme Essa Pequena é uma Parada, com Barbra Streisand, dirigido por Peter Bogdanovich, tira casquinha da frase.

O filme, embora pouco assistido hoje, sobreviveu ao tempo, pelas suas qualidades próprias: atores, direção, fotografia, é puro cinema. Os críticos, naturalmente, em sua maioria, detestaram; eu fico com a multidão. Mas registro que Vincent Canby, crítico do New York Times, na época, fez a correta ligação do filme com Love Affair e An Affair to Remember, um dramalhão romântico filmado duas vezes por Leo McCarey.


Em Love Affair, um homem e uma mulher se apaixonam em uma viagem de navio, a caminho de Nova Iorque. Ambos comprometidos, decidem se encontrar em seis meses, tempo suficiente para romperem seus relacionamentos e resolverem seus problemas pessoais, no alto do Empire State Building, o prédio mais alto do mundo, na época. Infelizmente, a heroína, Terry, é atropelada a caminho do encontro, deixando seu amor debaixo da chuva, solitário, no alto do prédio.

Confiança, pessoal, é tudo nos relacionamentos amorosos verdadeiros (o famoso true love). Havendo confiança, não será um atropelamento, seja por um carro ou por uma doença insidiosa qualquer, que impedirá um final feliz, que afinal, chegará, depois de várias tentativas frustradas, para alegria dos espectadores que desejam a catártica união entre os apaixonados. Mesmo que a heroína morra no final, como em Love Story, sempre restará a lembrança das caminhadas na neve, os sanduíches de manteiga de amendoim partilhados, a comunhão total que os amantes vivenciam enquanto dura o amor. Tudo isso que um bom roteiro, um bom diretor, uma boa fotografia e bons atores provêm.


Vamos torcer para que Flordelis e Anderson, nosso casal romântico, tenham o filme que merecem. Afinal, amar significa nunca ter que pedir perdão.


Adolfo Bioy Casares teve editada, no Brasil, em 2019, suas obras completas. Lembranças de uma Argentina que não existe mais. Love Story você encontra na Netflix. Ali MacGraw e Ryan O’Neal fazem a dupla que desafia o reacionarismo paterno. De bônus, a primeira aparição no cinema de Tommy Lee Jones. Foi indicado para 7 Oscars, com Francis Lai levando o único prêmio para casa. A frase “Love means never having to say you’re sorry” foi a 13ª entre as 100 frases da AFI’s 100 Years... 100 Movie Quotes. Love Affair (1939) e An Affair to Remember (1957), de Leo McCarey, é o supra sumo do dramalhão hollywoodiano, e teve uma versão recente (1994), com Warren Beatty e Annette Benning. Não esqueça os lenços.

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