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Foto do escritorTião Maniqueu

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIMITES


Ingenuidade ou comprometimento?

Imagem de youtube.



Tenho um amigo que é renitente no hábito de mandar para mim posts de extrema direita. São textos e vídeos defendendo ideias bolsonaristas ou criticando Lula e membros do atual governo. Com as críticas ao atual governo até compactuo, mas asseguro que ele jamais conseguirá me converter à extrema direita. Ainda assim, sou grato à sua insistência. Afinal, de algum modo enviesado ele se preocupa comigo e, de qualquer forma, oferece pauta para os meus textos.


O último post que recebi foi o discurso de Fernando Schüler ao receber o Prêmio Liberdade de Expressão, evento que sequer é recente. É um prêmio concedido pelo IEE - Instituto de Estudos Empresariais, uma organização de direita e a plateia - a julgar pelas pessoas que era possível visualizar - era composta por pessoas de direita e alguns conhecidos representantes da extrema direita. O homenageado sabia disso e mostrou-se ansioso por obter a aprovação da plateia, com um discurso bem palatável aos ouvintes e cortejando alguns dos presentes, nominando-os e elogiando-os.


É muito fácil arrancar aplausos de um plateia quando você fala exatamente o que ela quer ouvir. Schüler sabia disso. Ele é um ótimo orador, além de um jornalista respeitável com espaço em grandes órgãos de imprensa. Quando, entretanto, afirmou que devemos assegurar a liberdade de expressão mesmo para o erro, para opiniões condenáveis - e deixou implícito que o erro a que se referia era o discurso de ódio, o negacionismo e o ataque às instituições - recebeu apenas um silêncio constrangido. Percebendo isso, rapidamente voltou a cortejar a plateia e ser ovacionado.


A ideia de que a liberdade de expressão deve ser assegurada ao erro é um pouco mais sofisticada para ouvidos não preparados. Concordo plenamente com ela. Sempre disse que se não asseguramos os direitos e garantias individuais ao bandido, não asseguraremos ao cidadão de bem. Contudo, embora as opiniões equivocadas devam ter assegurado seu espaço, isso não significa que a liberdade de expressão deva ser absoluta e sem limites. Quando o que se expressa figura crime ou quando resulta na morte de outras pessoas, então é lícito intervir.


Um terraplanista deve ter ampla liberdade de expressão, porque suas tolices não tem qualquer consequência. Um antivac, não. Postar mentiras acerca das vacinas implica na morte de pessoas, ainda que não se possa quantificar o número de mortos. Não é difícil de entender a proposta de intervir quando o que se expressa é criminoso. Basta dar exemplos bem claros: alguém acha que se deva assegurar plena liberdade de expressão a um pedófilo? Alguém defende a plena troca de informações entre traficantes ou milicianos praticando o crime de quadrilha e planejando novos atos criminosos? E a calúnia, difamação e injúria devem ter campo livre e prestigiado?


Fernando Schüler citou os fundadores da democracia americana - Hamilton e Madison - e afirmou ter vergonha de nossa democracia porque se busca responsabilizar os empresários que, por meio do whasapp, planejavam o 8 de janeiro. Ele parece defender qualquer post, qualquer vídeo, que ataque as instituições democráticas, ignorando que são posts criminosos, que desembocaram numa inequívoca, porém fracassada, tentativa de golpe. Claro, não se deve impor censura prévia, como fez a ditadura militar. Mas uma vez identificado que o agente se propõe sistematicamente a desacreditar vacinas, atacar as instituições constituídas ou o sistema eleitoral ( visando uma tentativa de assalto ao Estado democrático ) é lícito intervir.


Um parêntesis é necessário aqui. O órgão que deve ter a iniciativa de buscar o Judiciário com este objetivo é o Ministério Público. Também os partidos políticos ou instituições de classe ( OAB, FIEP, sindicatos, etc ). O famigerado inquérito das fake news, embora compreensível em sua origem porque o Ministério Público Federal estava dominado por um governo autoritário, não se justifica mais na forma como é conduzido. Urge que se restitua ao Ministério Público Federal a iniciativa de agir.


O passado deveria ensinar alguma coisa a um jornalista assim competente. Vivemos algo muito semelhante ao período entre guerras, quando o fascismo ascendeu no mundo inteiro. Deu no que deu. Madison, Hamilton, Milton, não viveram a realidade das redes sociais e seu terrível poder manipulatório. Goebbels, com os instrumentos que tinha, colocou a nação alemã de joelhos, cega para todas violações das garantias individuais que se cometeram, surda aos gritos dos perseguidos, conivente com todo mal então praticado. O que Goebbels faria com a internet a seu dispor? Não é possível ignorar esta pergunta...


Talvez o pior momento do discurso foi a menção aos milionários que detém as redes sociais. Foi uma manifestação de vassalagem ao poder irresponsável destes homens. Musk não é alguém que pensa em qualquer coisa além de seus próprios interesses. A autoregulação fracassou e é indiscutível que as redes sociais precisam de um marco legal adequado.


Desde que a extrema direita percebeu que é possível instaurar ditaduras sem tanques, minando as instituições, tomando conta delas, o mundo ficou mais inseguro. A democracia - que Schüler diz defender - é o mais frágil dos sistemas. A extrema direita, tanto quanto a extrema esquerda, são inimigos da democracia. Assim, negar as tentativas de golpe do qual o 8 de janeiro foi apenas o último passo é ingênuo ou mostra comprometimento; fechar os olhos à manipulação criminosa das redes sociais é tolo ou mostra comprometimento. Não creio de que Fernando Schüler seja tolo ou ingênuo.

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