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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

LIÇÕES DO PASSADO


As orientações de Sêneca ao seu amigo Sereno e as consolações que dedicou à sua mãe Hélvia permanecem válidas mesmo hoje.


É curioso perceber o quanto os antigos - em que pese terem vivido em épocas remotas e, portanto, em outro estilo de vida - partilharam das mesmas preocupações e angústias que hoje visitam a alma dos seres humanos. Assim se dá quando você lê textos de Sêneca, filósofo estóico romano que viveu de 4 AC a 65 DC.


Lúcio Aneu Sêneca, conheceu a riqueza e o exílio. Foi contemporâneo de terríveis tiranos, como Tibério, Calígula e Nero. Deste último foi preceptor e muitos creditam à sua influência os sete primeiros anos do reinado de Nero, período marcado por obras e realizações de interesse público. Depois, Nero foi se tornando a figura que passou à história por conta de suas monstruosidades e Sêneca foi acusado de condescendência com o Imperador, postura incompatível com os ideais estoicos. Ao final da vida, mesmo retirado da vida palaciana, foi acusado de conspirar contra Nero e obrigado a cometer suicídio, o que fez cortando os pulsos.


Destacamos alguns trechos de Sêneca, para pontuar sua atualidade:


Depois deste despeito pelo sucesso dos outros e deste desespero de não ser bem sucedido, começa o homem a se irritar contra a sorte, a se queixar do século, a se recolher cada vez mais em seu canto e aí se abriga sua dor no desânimo e no aborrecimento. A alma humana é, com efeito, por instinto ativa e inclinada ao movimento. Toda ocasião para se despertar e para se afastar de si lhe é agradável, mais particularmente entre as naturezas deterioradas, que pretendem a colisão das ocupações.


Há na medicina substâncias que, sem que se tenha necessidade de prová-las ou de tocá-las, agem pelo aroma; assim é a virtude: sua benfazeja influência se exerce mesmo à distância e sem que ela seja visível. Que ela dê expansão e seja livre em seus impulsos, ou que ela tenha dificuldade em se desfraldar e seja reduzida a recolher suas velas; que ela seja ociosa, muda, estreitamente aprisionada, ou que se abra com facilidade, em todas situações possíveis ela é útil.



Algumas vezes acontece que um desgosto pelo gênero humano se apossa de nós, quando percebemos quão grande é a quantidade de crimes felizes; quando refletimos até que ponto é rara a retidão e desconhecidas a inocência e a sinceridade, desde que ela não convenha; quando notamos os lucros e as dissipações da paixão desregrada, igualmente odiados, e a ambição que vai além de seus próprios limites, a ponto de procurar seu esplendor através da baixeza. Então mergulha o espírito em noite escura; e destas virtudes assim transformadas, que em ninguém se espera ver, nem são de utilidade alguma para quem as tem, originam-se densas trevas. Assim devemos aplicar-nos a não considerar odiosos, mas ridículos, os vícios dos homens e a imitar Demócrito antes que Heráclito: este não podia aparecer em público sem chorar, o outro sem rir; um não via a não ser a miséria em todas as ações dos homens, o outro só tolices. Aceitemos, pois, todas as coisas superficialmente e suportemo-las de bom humor: pois está mais em conformidade com a natureza humana rir-se da existência do que lamentar-se dela.



Não obstante, eis que Atenas, ela mesma, fez morrer este homem numa prisão: ele desafiou impunemente todo um bando de tiranos, e um governo livre não pode tolerar sua liberdade. Vê, pois, que mesmo numa República oprimida o honesto encontra ocasião para mostrar quem ele é, e que numa República próspera e feliz reinam ao mesmo tempo a crueldade, a inveja e mil outros vícios dissimulados.

Referia-se a Sócrates, que sobrevivera ao período dos trinta tiranos, mas que foi condenado injustamente em um período de regular democracia.



É a alma que torna rico os homens: a alma segue-o no exílio; e quando encontra quanto basta para sustentar o corpo, mesmo nas mais ásperas solidões, é rica e goza de seus bens: à alma nada importa o dinheiro, não mais do que importa aos deuses imortais. … É esse nosso mísero corpo, prisão e corrente da alma, que pode ser jogado em qualquer lugar; sobre ele tem poder os suplícios, os roubos, as doenças: a alma é sagrada e eterna, e ninguém lhe pode fazer violência.



Excertos retirados de dois textos de Sêneca: Da Tranquilidade da Alma e Consolação a Minha Mão Hélvia - Coleção Os Pensadores - Abril Cultural - 1ª edição - 1973.



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