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Foto do escritorHatsuo Fukuda

NADA DE NOVO NO CIRCO AMERICANO



Gore Vidal e as eleições. Milhões de argumentos decidem a eleição no Império.



Gore Vidal - Imagem de The New York Times.



Encontro meu amigo Gore Vidal na esquina da Comendador Araújo com a Visconde de Rio Branco, olhando melancolicamente para os pães da Pan Pan, feitos com massa sourdough e trigo integral. Sem os salamaleques habituais, pergunto em quem ele vai votar. Recebo um olhar indiferente, que em seguida se desvia de mim e observa um casal gay de mãos dadas que pastoreia um Yorkshire vigilante. Eles caminham em direção à Praça Osório. Ele deve estar se lembrando das caçadas pelas ruas de New York nos anos cinquenta, quando tinha 25 anos. Será verdade que ele teve mais de dois mil encontros casuais naquele ano? Deve ter conhecido todos os becos, banheiros de bares, cinemas, teatros e cantinhos escuros de New York. Vidal sempre foi democrata, naturalmente ele votará em Kamala Harris. Mas ele já disse que nos USA só há um partido: o Partido dos Proprietários, com duas alas, a Republicana e a Democrata.


Ele começa a falar das eleições de 1876, quando o candidato democrata, Samuel Tilden, teve a eleição roubada com astúcia pelos republicanos. Rutherford Hayes ganhou a eleição após infindáveis manobras legais e políticas. Tilden recusou-se a liderar o que seria uma nova guerra civil – doze anos após a Guerra de Secessão. Os brancos do Sul eram democratas – afinal, o Partido Republicano era o partido de Lincoln. (Hoje é o contrário. Após as batalhas dos anos 60 pelos direitos civis, lideradas pelos democratas, a maioria dos brancos sulistas tornou-se republicana e a maioria dos negros tornou-se democrata). Um exército de advogados e políticos convenceu, com milhares de argumentos, políticos, juízes e delegados eleitorais da causa republicana. O senador James Garfield (depois presidente), explicou assim a situação: se os democratas não tivessem impedido os negros de votar, nós teríamos ganhado as eleições. Uma fraude justificou a outra. Assim, os votos eleitorais dos Estados da Florida, Louisiana e South Carolina foram dados a Hayes, que venceu por 185 a 184. Um voto de diferença.


A eleição deste ano pode ser resolvida desta forma. Várias simulações eleitorais plausíveis indicam uma votação 270/268. Ou seja, a eleição pode ser decidida por apenas um voto eleitoral. Pode também acontecer o contrário. Uma virada de 1% (ou menos) a favor de um dos candidatos (pode ser qualquer um) levaria a uma vitória acachapante do candidato beneficiado. Tudo pode acontecer, inclusive um cenário igual a de 1876, quando a eleição foi decidida por uma Comissão Mista de deputados, senadores e um ministro da Suprema Corte, que deu a vitória ao candidato republicano, Hayes.


Vidal, sempre um realista, não descarta nenhuma possibilidade. Ele nada diz sobre Trump, mas as opiniões dele sobre Bush e Reagan dão uma pista. Para ele, Bush era o homem mais estúpido do país; Reagan, um provinciano. Como ele já disse que o país está a caminho de uma ditadura, parece óbvio que Trump é o mais provável candidato a ditador.


Começamos a caminhar rumo à Pracinha do Batel, mas ele em seguida se despediu e seguiu em direção à Prudente de Morais e seus bares. Um brilho predador iluminava seus olhos, pronto para novas aventuras.


A eleição segue rigorosamente empatada nos sete Estados que decidirão a eleição. As pesquisas eleitorais continuam a ser uma incógnita. Após um breve período – após o debate Kamala-Trump – em que Kamala esteve à frente (por 1%), Trump voltou a ser preferido pelos apostadores de Polymarket, 50,8 a 48,4. PredictIt dá Kamala 54/50. As margens estreitas indicam que os apostadores também estão inseguros.


Faltam 28 dias para 5 de novembro, dia da eleição. Mas em vários Estados a votação pelo Correio já começou. Não percam, aqui, toda terça-feira. O circo vai pegar fogo.



Gore Vidal escreveu sete romances que ele denominou Narrativas do Império, uma vasta crônica do amanhecer à decadência do Império: Burr, Lincoln, 1876, Império, Hollywood, Washington DC, A Era Dourada. Creio que todos foram publicados no Brasil. A minuciosa narrativa da fraude na eleição de Rutherford Hayes está em 1876. É magnetizante. Vidal morreu em 2012 com 86 anos.

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