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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

O SOL NASCEU EM TORRES

Um poema de Manuel Rosa de Almeida sobre a vida.


Imagem de 용한 배 por Pixabay


Medir o tempo é insensato.

Quantos minutos, quantos segundos

Nunca saberei ao certo, mas

Sei que poucos, de fato,

O tempo que medeia fugaz

A escuridão e o mar com o sol ao fundo.

Pelas falésias de Torres passeava

No palco verde, ainda orvalhado,

Imensidão de mar e céu delimitado

Pelo paredão de abrupto basalto.

Ver o sol nascer, só, eu ansiava

Em toda sua glória, sentado no alto.

Sob a luz mortiça que crescia

Um vulto ao longe divisado

Alguém que vermelho vestia

À beira do abismo estacado.

Pensei, afinal terei companhia,

No espetáculo com horário marcado.

Só quando aproximei-me suficiente

Percebi que a moça não estava ali

Para celebrar a vida, mas a morte.

E no momento mesmo em que sente,

Preparar-se para o salto e o final corte

Gritei e para ela correndo investi:

-- Ei! Não tinha percebido, até então,

Minha presença e a inesperada interrupção

Travou em meio a corrida final.

Virou-se a um passo apenas do vazio

Algo de surpresa, algo de desvario

E cravando-me olhos profundos, fez sinal.

Tristes, aproximando-me percebi

Profundamente tristes, quando mais perto

Cheguei. E negros, tão profundos e negros

Como a mais profunda tristeza que já vi.

Percebi que estava, naquele local deserto

Vivendo um trágico conto dos gregos.

Disse-me alucinada: -- Nem mais um passo!

Fazendo menção de atirar-se.

Confuso, imóvel, pensei quais

Razões teria ela para entregar-se

À busca do vertiginoso abraço

Com as duras pedras fatais?

Parecia alguém que veio da festa

Vestido de noite vermelho, maquiagem

Borrada nos olhos de tanto chorar.

Descalça, porém. Da viagem funesta,

Os sapatos pretos postos à margem

Seriam poupados da morte no mar.

Como advogado estúpido da vida

Perguntei: -- Por que tirou os sapatos?

-- Gosto deles. Respondeu simplesmente.

Era preciso discurso inspirado, sensato,

Se fosse salvar. Mas a resposta ouvida

Trouxe nova esperança à minha mente.

-- Não faço a menor ideia, que rasteiras,

Que desespero, que golpes doridos

Conduziram a este caminho letal.

Mas uma certeza tenho, afinal:

O mundo sempre pode ser lido

De duas ou mais maneiras.

Ao ouvir minha palavras, sua expressão

Foi de quem estava cansada de vazias

Promessas, arengas, pregação,

Discursos tolos em horas sombrias.

Entendi e disse: -- Não com centenas,

mas posso provar com três palavras apenas.

Ela deu mais um passo desafiador

Colocando-se ao lado do precipício.

-- Muito bem… Prove, sabe-tudo.

Mas se não puder ou ficar mudo,

Será você de minha morte fiador

E levará as penas de meu sacrifício.

Precisava roubar da morte a namorada

E declarei: -- Não se precipite!

A princípio pareceu decepcionada

Depois o pensamento pôs à testa uma ruga

Então… um brilho fugaz nos olhos grafite

E um sorriso que todo seu rosto aluga.

Avançou para mim, a mão estendeu,

Em tons laranja carmim o sol nasceu...



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