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Foto do escritorHatsuo Fukuda

O VAZIO DA INTOLERÂNCIA


O amor não se expõe em praça pública.



Alceni Guerra era um pequeno chefe político regional de Pato Branco quando um tour de fource oratório o alçou ao estrelato da política nacional. Médico, eleito para a Assembléia Nacional Constituinte, eletrizou a plateia de deputados contando a sua experiência de médico e pai, e a importância da paternidade no nascimento. Políticos calejados com arroubos oratórios (uma modalidade de arte cênica, ou circense) se deixaram comover com o seu discurso, e aprovaram a licença paternidade. No País da Cocanha que se desenhou naquele monstrengo constitucional, nos anos 80, mais uma benesse sem lastro na realidade do país pobre. Pouco importa. Alceni se transformou em personagem nacional. Mas a habilidade retórica, no caso, estava lastreada em capacidade política e administrativa, o que se viu, em seguida, com a sua nomeação para o ministério do presidente Collor. O médico da província estava pronto para assumir o palco nacional.


Collor, um dos piores e mais despreparados homens públicos que o país produziu (anos depois viu-se que havia piores, muito piores), reconheceu as qualidades de seu ministro, e viu nele a oportunidade de se redimir do imenso desastre que ele próprio havia construído, com a condução da economia (o confisco da poupança), a incompetência administrativa, os escândalos de corrupção, o desprezo às forças políticas reais, e, para apimentar a mídia, as brigas familiares envolvendo sexo, mentiras e trapaças negociais. Um dramalhão mexicano falado em mau português, direto das Alagoas.


Collor abraçou o mais dileto programa de Leonel Brizola, o CIEP, escolas integrais para a população. Na verdade, um programa de assistência social disfarçado de programa educacional, mas que tinha um enorme apelo popular. E colocou Alceni Guerra para coordenar o programa, o que daria a ele inserção popular em todo o Brasil, e, principalmente, em vista dos custos envolvidos no programa, o cacifaria no setor mais importante da política nacional, os grandes empreiteiros.


Para outros atores, entretanto, entre os quais a Rede Globo, isso significava perigo. Uma aliança entre um oligarca alagoano e o maior líder da esquerda nacionalista brasileira deveria ser combatida a qualquer custo. E Alceni foi objeto de uma das campanhas mais sórdidas na história de vilezas patrocinadas pela política nativa. O assassinato de reputações, que hoje se faz pelas redes sociais, nos anos 90, fazia-se pelas redes de televisão aberta e na mídia impressa. Alceni não resistiu e foi destruído, e seus sonhos presidenciais foram enterrados.


Após a tempestade, relegado à insignificância, Alceni demonstrou a resiliência dos grandes homens. Com o retorno a Pato Branco, reconstruiu a base política local e se elegeu prefeito da cidade. Dizem que foi um grande prefeito, o que não duvido. Alguns habitantes da cidade falam que houve um Antes e Depois de Alceni. Como não sou de White Duck, deixo passar a questão.



Talvez pela sua formação médica – é pediatra – e não existiria pediatria sem sexo - ou pelas lembranças dos amores da juventude ou da maturidade – Alceni resolveu homenagear o amor em praça pública, encomendando uma estátua a um escultor da terra, Kalu Chueiri. O Monumento ao Amor retratava dois amantes abraçados, de pé, no centro de um espelho d’água, na Praça Getúlio Vargas, rodeados pelas virtudes: a gratidão, a perseverança, a generosidade, a solidariedade, a humildade, a justiça. Quem ama sabe ser grato. Quem ama persevera. Quem ama é generoso, é solidário, é humilde, é justo. Para o seu amor. A estátua da honestidade, entretanto, não chegou a ser colocada. Os deuses não as quiseram juntos? O amor e a honestidade não combinam? Que respondam os amantes, que tudo farão para satisfazer os seus desejos. Roubar, trair, mentir, enganar esposos, pais, filhos, nada desonesto deixará de ser feito enquanto o amor não for satisfeito, que o diga a história da humanidade, ou as histórias inconfessáveis dos que se amam e se vêem impedidos pelas duras realidades da vida.


Um outro prefeito veio, e acobertado por um pretexto qualquer, retirou as estátuas do local. O amor carnal e as virtudes que o acompanham foram retiradas e nunca mais voltaram. A intolerância e a ignorância que periodicamente assolam o mundo venceu novamente. Outra estátua derrubada pelo preconceito. O amor verdadeiro não pode ser exposto em praça pública. Seu destino é, como sempre, a clandestinidade das alcovas.



“Leio no Diário do Sudoeste, de 7 de dezembro de 2016, que o abraço amoroso foi resgatado pelo escultor Kalil Chueiri e se encontra em seu ateliê. A Justiça foi doada a um tribunal do trabalho. A Gratidão foi doada à escola em que o escultor estudou, em Santo Antônio da Platina (foi uma homenagem a uma professora). O vazio da Intolerância continua na Praça Getúlio Vargas, em Pato Branco.”

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