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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?

Um diálogo ao estilo platônico.


Fábio ligou e descobriu que Hipólito estava na Praça Santos Andrade. Encontrou-o calmamente sentado num banco ao lado de respeitável pinheiro araucária. Cumprimentaram-se cordialmente:


HIPÓLITO - Bom vê-lo, amigo. Que problema resolveremos hoje?


FÁBIO - Um muito simples, mas muito em moda. A resposta à pergunta: os fins justificam os meios?


HIPÓLITO - Ora, ora, tratamos de uma pergunta clássica… E como afirmação, muitas vezes usada por canalhas. O que pensa você?


FÁBIO - Aí que está… não estou certo. Parece que às vezes sim. E às vezes não.


HIPÓLITO - Você há de convir que é uma resposta muito vaga… inútil.


FÁBIO - Por isso estou aqui.


HIPÓLITO - Vamos pensar juntos. Primeiro é preciso diferenciar fins de meios, não lhe parece?


FÁBIO - Bem… faz sentido.


HIPÓLITO - Que pensa você que são os fins?


FÁBIO ( pensativo ) - São os objetivos. As metas.


HIPÓLITO - O gol?


FÁBIO - Se quiser uma metáfora futebolística…


HIPÓLITO - Pode ser um bom começo. No futebol, o fim seria o gol?


FÁBIO - Sim. Claro.


HIPÓLITO - E tudo mais que se faça para atingir o gol, serão os meios?


FÁBIO - Sim.


HIPÓLITO - Certo. E na política… qual seria o fim?


FÁBIO - Lembro de outro diálogo que tive com você… lá na Praça Osório. Penso que o fim da política é a boa administração.


HIPÓLITO - Uma boa administração também é um meio. Embora possa ser um fim intermediário.


FÁBIO - Então há fins intermediários?


HIPÓLITO - Se você preza o raciocínio analítico… a segmentação. Então sim. Mas para a resposta que você procura, esta segmentação não nos interessa. O fim da política é a prosperidade do Estado. Vamos adiante… e pensando estritamente no ser humano, nas pessoas e suas vidas. Qual seria o fim?


FÁBIO - Felicidade?


HIPÓLITO - Bravo! Então pense… o gol, a prosperidade do Estado, a felicidade… o que estes fins tem em comum?


FÁBIO ( indeciso ) - Não sei bem…


HIPÓLITO - Fale o que pensa. Não tenha vergonha…


FÁBIO - Sei lá… uma espécie de grandeza?


HIPÓLITO - Bem, sim. Os fins são grandes! Estão além… lá no horizonte. Você poderia dizer que são panorâmicos.


FÁBIO - Hipólito, o poeta…


HIPÓLITO - Deixe disso. Mas o que há de essencialmente comum entre todos os fins, o que lhes assinala uma identidade, digamos assim, é uma certa imponderabilidade.


FÁBIO - Boiei.


HIPÓLITO - Quero dizer que não há muita discussão sobre os fins. O gol é o gol. A prosperidade é a prosperidade.


FÁBIO ( interrompendo ) - Mas discute-se sobre o que é felicidade.


HIPÓLITO - Discute-se sobre o que faz cada um feliz. Não a felicidade em si. Ela é um estado superior de espírito, de plenitude, realização.


FÁBIO - Se você diz…


HIPÓLITO - Você também dirá, acredito. O que quero dizer é o seguinte: você não delibera sobre o gol, você delibera sobre como atingir o gol. Você não delibera sobre a prosperidade do Estado, mas sobre as decisões para atingi-la. A felicidade, igualmente. Você não toma decisões sobre a felicidade em si, mas sobre a forma de atingi-la.


FÁBIO ( empolgado ) - Sobre os meios?


HIPÓLITO - Exato. As decisões que tomamos, nossas deliberações, enfim, são sobre os meios, não sobre os fins.


FÁBIO - Belo raciocínio, Hipólito.


HIPÓLITO ( modesto ) - Este raciocínio não é meu.


FÁBIO - Não?


HIPÓLITO - Não. É de Aristóteles.


FÁBIO - Filósofo grego, certo? Da turma do Sócrates…


HIPÓLITO ( rindo muito ) - Aristóteles nunca foi da turma de Sócrates… Nem poderia. Nasceu depois da sua morte. Mas Aristóteles foi discípulo de Platão. E Platão foi discípulo de Sócrates… Então, até certo ponto você não está errado. Ele é da turma de Sócrates num sentido atemporal. Ainda que ele tenha contestado veementemente seus mestres. Em verdade, Aristóteles é o pai da filosofia ocidental. Essas ideias ele expressou em seu livro Ética a Nicômaco. Você devia ler…


FÁBIO - Um livro de mil anos?


HIPÓLITO - Muito mais.


FÁBIO - E ainda existe?


HIPÓLITO ( rindo novamente ) - Não o livro que Aristóteles realmente escreveu. Felizmente as ideias foram preservadas ao longo dos anos, por escribas que as copiavam, por monges copistas medievais, depois pela invenção da imprensa, até os dias atuais. Então podemos milagrosamente ler Aristóteles nos dias atuais. Você encontrará esta obra em qualquer sebo decente…


FÁBIO - Lerei. Com certeza.


HIPÓLITO - Mas nosso exercício mental não para aí. Continuemos a investigação. Já percebemos que nada deliberamos sobre os fins…


FÁBIO - Então…


HIPÓLITO - Diga.


FÁBIO - Em tese, alguém poderia deliberar sobre a felicidade… Algo assim se a felicidade deve mesmo ser buscada.


HIPÓLITO - Ou se devemos buscar o bem do Estado ao invés do caos absoluto? Ou se o gol deve mesmo existir no futebol, ou seria melhor apenas correr com a bola sem um objetivo específico?


FÁBIO - Por aí… parece absurdo?


HIPÓLITO - Parece… Mas enquanto houver humanidade haverá todo tipo de pensamento. Então, você não está errado. Ocorre que o próprio Aristóteles tratou disso.


FÁBIO - Sério?


HIPÓLITO - Sim. No que toca aos fins, ele dizia que não devemos considerar as deliberações de néscios ou loucos. Apenas de homens ponderados ou ao menos de homens comuns. Isso é bem razoável, não acha?


FÁBIO - Penso que sim.


HIPÓLITO - Afinal queremos pensar seriamente. Não temos tempo para divagar sobre ideias malucas ou pouco inteligentes. Concorda?


FÁBIO - Concordo.


HIPÓLITO - Então, retomando. Se não deliberamos sobre os fins, vamos nos ater aos meios. As medidas que tomamos para atingir os fins, para nossa consideração, devem ser livres?


FÁBIO - Sim, está claro. Uma deliberação que não é livre, sequer é uma deliberação.


HIPÓLITO - Bravo! Isso mesmo. As deliberações devem ser voluntárias, livres de coação. São decisões que se tomam conscientemente, com inteira liberdade. Um homem coagido sequer é responsável por seus atos… o próprio Direito reconhece isso. Também devemos excluir os que agem na absoluta ignorância…


FÁBIO - Como assim?


HIPÓLITO - Ora, um homem que age sem conhecimento do que faz e das consequências do que faz, não está realmente tomando uma decisão livre.


FÁBIO - Explique melhor.


HIPÓLITO - Imagine que um homem ingere diariamente algum alimento, um chá, digamos, achando que aquilo lhe faz bem. Mas, em verdade, aquele chá é nocivo ao seu estômago. Imagine que o fim aqui é a saúde. Este homem pode ser censurado pelo ato, já que agiu em total ignorância?


FÁBIO - Não.


HIPÓLITO - De fato, não. Aquele que age por coação ou por ignorância, não pode ser censurado. Embora também coação e ignorância têm gradações, podem ser parciais… mas isso é assunto para outra discussão. Uma discussão sobre Direito ou sobre Ética. Agora chegamos ao ponto central da nossa questão.


FÁBIO - E qual é?


HIPÓLITO - Não somos julgados quando agimos por coação ou ignorância porque, a rigor, aí não deliberamos. Mas quando deliberamos livremente e agimos de acordo com nossas deliberações… devemos ser responsabilizados?


FÁBIO - Sim.


HIPÓLITO - Pensando novamente na saúde, um fim importante. Se um jovem contemporâneo fuma, pode alegar ignorância sobre as consequências deste vício?


FÁBIO - Acho que não. Todo mundo sabe que o cigarro faz mal…


HIPÓLITO - E outras drogas? Crack, cocaína…


FÁBIO - Mesma coisa. Todo mundo sabe que faz mal.


HIPÓLITO- Portanto um fumante ou um drogado são responsáveis pelo mal que fazem a sua própria saúde.


FÁBIO - Sem dúvida.


HIPÓLITO - Eis o ponto. Segundo Aristóteles, nossas deliberações é que nos fazem virtuosos ou vis. Bons ou maus. A virtude é consequência de nossas livres deliberações e dos atos que fazemos em consequência disto. Concordo 100% com ele.


FÁBIO - Ora… eu também.


HIPÓLITO- Então, já temos nossa resposta. Nossas deliberações é que nos fazem virtuosos ou não. E se somente deliberamos sobre os meios…


FÁBIO ( entusiasmado ) - Os fins não justificam os meios!


HIPÓLITO - Não mesmo. Isso é uma grande balela. Se suas atitudes o tornam sem virtude, mau, não há fim que justifique isso. Como disse, uma falácia muito usada por canalhas que querem justificar os atos que os apontam como pessoas sem virtude.


FÁBIO ( preocupado ) - Mas vou acabar esquecendo a linha de argumentação, tenho que anotar isso…


HIPÓLITO - Você não precisa nada disso. Basta repetir as mesmas perguntas e pensar. Chegará às mesmas respostas.


FÁBIO ( levantando ) - Tem razão. E se por alguma razão não chegar ao mesmo ponto, basta procurar você, não é mesmo?


HIPÓLITO - Em alguma praça de Curitiba...

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