PARA QUEM PERDEU UM CÃO
- Manuel Rosa de Almeida
- 15 de mar.
- 2 min de leitura
O que podem nos ensinar os cães.

Imagem de www.raçoesreis.com
Tal qual ocorreu com nosso colunista Hatsuo Fukuda, que recentemente perdeu o Chico, eu também perdi o meu cachorro. Foi-se o Lincon, meu beagle, para o céu dos cachorros, onde quer que isso seja. Em verdade, já era esperado, pois ele estava com 16 anos - o equivalente a um humano de uns 95 anos de idade. Estava quase totalmente surdo e cego, tinha apenas três patas, mas ainda assim exibia energia de dar inveja. No final não deu, o coração estava superdilatado, ocasionando vários problemas que acabaram por ser fatais.
Lincon era um bom cãozinho, um pouco mau humorado, como convém a um beagle da gema. Também como um beagle legítimo, era guloso, capaz de comer sem parar até ficar empanzinado. Por isso sempre cuidamos com sua alimentação, evitando os abusos da raça. Tinha o faro de um perdigueiro, sentido que preservou e que, em seus anos finais, era o que servia para sua orientação.
Há muito para aprender com os cães, especialmente a sua capacidade de adaptação e a placidez com que aceitam os imprevistos da vida. Quando tinha uns 13 anos, Lincon teve um grande tumor na pata traseira esquerda. A coisa era realmente feia e prometia se agravar. Entre as opções oferecidas pelo veterinário, a mais promissora e menos dolorosa parecia ser a amputação. Nosso heroico cãozinho enfrentou a amputação com uma resignação espartana e a recuperação como um genuíno estoico. Depois de um mês já estava correndo o jardim, agora aos pulos, o que nos deu a convicção de que tínhamos tomado a decisão certa.
Quando iniciou o longo processo que culminou com sua despedida, Lincon também nos ensinou muito. Passou a viver em nossa sala, para que pudéssemos atendê-lo. Não se queixava de nada, aceitava as manobras que precisávamos fazer para deixá-lo limpo e confortável. O cão vive apenas o presente, dizem, e isso por si só já é uma lição de vida importante. Mas Lincon parecia, em seus últimos dias, estar com um olhar tranquilo e distante, de alguém que visualiza em sonhos um campo intocado, coberto de florezinhas gentis, brancas e amarelas, onde ele poderia correr perseguindo borboletas. Estava tranquilo e tranquilo partiu.
Vai em paz, pequeno amigo. Lembro do dia em que chegou lá em casa, um filhotinho encantador e bagunceiro, com uma pancinha rosa e dentinhos finos como agulha que machucavam a gente. Lembro de seu crescimento, sua disposição corriqueira, de como você podia ser ranzinza e como não levava desaforo pra casa, mesmo de cães muito maiores para quem a prudência sugeria abaixar a cabeça e oferecer a barriga. Ao final, lembro de sua tranquila placidez ao enfrentar o inevitável fim. Espero que esteja mesmo neste campo florido, cercado dos amigos que te antecederam, Shadow - seu amigo labrador e Huron - um pastor capa preta imenso e de bom coração. Penso que você deve estar bem. Afinal, todos os cães merecem o céu.
Comentários