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PASTEL NA PRAÇA



O filho de um ilustre gramático da língua portuguesa toma café e come pastel na Praça 19.


Imagem de Hatsuo Fukuda



Encontro meu amigo Hermínio Back em uma das rondas que faço pela cidade. Ele me elogia pelos artigos que são publicados no site (não sabia que era um dos sete leitores - a mulher do Publisher não conta, por motivos óbvios. A felicidade conjugal dela depende disso). Ouço com descrença os elogios, sabendo de sua natureza cortês e amigável. Sei muito bem que o filho do Professor Eurico Back, um ilustre gramático, jamais concordaria com os estrangeirismos e lugares-comuns que enxerto em textos de diletante. O professor Eurico Back, que se dedicou a sérios estudos sobre a última flor do Lácio, inculta e bela (neste tema há controvérsias), com vários livros publicados (você os encontra na Estante Virtual) e passou a vida a desasnar pacientemente crianças e adolescentes no Colégio Estadual do Paraná, no Bom Jesus e na PUC, não me daria mais do que um regular aos meus pensamentos desconexos.


Lembrei que do magro soldo que me cabe na vida havia uns caraminguás perdidos, e convidei-o para partilhar um pastel de carne e ovo no food truck de pastéis na Praça. Por minha conta, disse, com o orgulho dos pobres limpinhos e que ainda se permitem partilhar o pão seco da miséria com os amigos. Cavalheirescamente – deve ter percebido minhas vestes esfarrapadas -, declinou do pastel, mas concordou em tomar um café.


Sob o olhar de esguelha do Homem Nu nos abancamos na mesa de plástico, observando as poucas barracas de frutas e legumes da feirinha. Ao final da avenida Cândido de Abreu, o ilustre ocupante da vez do Palácio não sabia da nossa existência. Ainda. Com os avanços tecnológicos, caso se interesse, com um clique poderá saber. Com a segurança dos que se sabem ainda não vigiados, dediquei minha loquacidade à ocupação predileta dos nativos, ou seja, falar mal do governo de plantão.


Cansado da minha inócua diatribe, passei a questioná-lo sobre o destino do livro que ele escreveu sobre a Revolução Federalista, tendo como heróis os dois generais que se digladiaram na Lapa: Gumercindo e Carneiro. Lembro a ele que foi (me perdoe o Professor Eurico Back pelo lugar comum) uma das poucas páginas em que se descortinou uma natureza heróica no povo brasileiro. O Paraná, em particular, viu naqueles anos as sementes de um ser diferenciado do país. Para o bem e para o mal. Alguns estudiosos, como Arthur Lacerda, com seu preciosismo erudito, vasculham histórias da época que me confirmam. A historiografia nativa tem nos anos de 1890/92 um campo fértil. E, ao contrário de outros episódios bananeiros, como o de Canudos, em que o Exército demonstrou sua natureza de força de ocupação territorial do país, a batalha da Lapa e os acontecimentos subsequentes foram travados por forças armadas, não se tratando de um covarde massacre de civis, mulheres e crianças. Estes ocorreram após a retirada de Gumercindo, como sabe a Associação Comercial do Paraná, que tem no Barão do Serro Azul – a vítima mais ilustre - o seu patrono.


Ai dos vencidos, devem ter pensado os valentes que se dedicaram a fuzilar e cortar cabeças de civis. Foi um dos episódios mais lamentáveis da nossa história, e bem faz a Associação Comercial em homenagear, tantos anos depois, o Barão.


O pastel foi devidamente devorado, o café tomado, e nos despedimos. Estou aguardando o lançamento do livro.

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