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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

REPUBLICANDO CURITIBANICES - RIO BELÉM

O rio corta a cidade e contempla minha vida passar…


Imagem de Jo-B por Pixabay

De todos, o Belém é o rio mais curitibano. Não só porque cruza a cidade de norte a sul, passando pelo centro, mas porque tem sua nascente e foz dentro da cidade. Nasce no Cachoeira, flui por cerca de 17 quilômetros, desemboca nas cavas do Iguaçu. E certamente é o rio com que o cidadão curitibano mais se identifica. Se você parar uma pessoa na rua e perguntar: cite um rio de Curitiba? 90% responderão: Belém.


Outros são bem mais extensos, como o Barigui e o Passaúna, por exemplo, mas só o Belém tem este quê de legitimamente curitibano. É como se suas águas sussurrassem - um tanto envergonhadas pela poluição que carregam - leite quente… leite quente…


O Belém participou da minha vida de curitibano em diversos pontos e em diversas fases. Faço um breve relato, falseando o tempo mas não a geografia. Parto de norte e vou para o sul, deslizando com o rio nas minhas reminiscências.


  • Barreirinha - Idade adulta - Meu cunhado comprou uma propriedade às margens do Belém. Ali o rio, embora poluído, está bem mais limpo, mas é apenas um riacho que corre na largura de uma valeta. Ele tinha intenção de construir uma casa e morar ali, mas não foi possível. A lei impõe distanciamento de 30 metros da margem do rio, o que inviabiliza a construção do imóvel. É uma pena, porque ele certamente preservaria o rio e o bosque nativo que há no seu terreno. Compreendo o espírito da lei, mas penso que deveria haver alguma razoabilidade. Para o próprio rio, era melhor que ele se instalasse ali. Afinal, onde em Curitiba, os trinta metros de distanciamento são respeitados?


  • Infância - Centro - O Passeio Público na década de setenta era um lugar mágico para uma criança. As árvores, os animais, recantos ocultos, pontes com aparência ancestral, tudo emoldurando o Belém que serpenteava preguiçosamente. Que encanto havia em ganhar um balão de gás! Lembro que enrolava o barbante na mão, preocupado em perdê-lo. E quando víamos um menino chorando, porque seu balão fugiu para o céu, éramos solidários, porque, afinal, isso era uma tragédia. E que dizer do algodão doce? São só fiapos de açúcar que derretem na boca e causam um pico glicêmico… mas a criança amava.


  • Prado Velho - Adolescência - Eu estudei no colégio Medianeira e ia a pé para a escola. Do Capanema ao Medianeira devia dar pouco mais que dois quilômetros. Cortávamos a favela do Capanema, hoje Vila Pinto. Na época, muito mais pobre, com seus barracos minúsculos construídos com madeira de caixotes. Havia uma terrível argila branca que nos dias de chuva grudava nos pés. Depois, veio a Avenida das Torres e o percurso ficou facilitado. O Belém separa o Colégio Medianeira do campus da PUC, na época Universidade Católica do Paraná. Como escoteiro, muitas estrepolias fizemos à beira do rio. Lembro até de um colega, Lobato, que tentou atravessá-lo em época de seca, usando sacos plásticos para proteger as pernas. Como qualquer um pode imaginar, um desastre…


  • Boqueirão - Juventude - Joguei no futebol de várzea, defendendo as cores do Paissandu. As muitas cores, diga-se, porque o Paissandu é tetracolor: azul, verde, amarelo e vermelho. Não posso dizer que o uniforme é bonito… O que recordo perfeitamente de meus dois anos no futebol de várzea é que os zagueiros do Combate Barreirinha batiam sem dó. Minhas canelas recordam com ainda maior vivacidade. Recordo também que quase todo jogo acabava em pancadaria e que, em geral, meus companheiros de time é que começavam a confusão. O Paissandu não tinha campo, então a turma improvisava. Os treinos eram literalmente jogados na várzea do Rio Belém, num campo extremamente esburacado, fonte inesgotável de lesões de tornozelo. Não sei se foi uma lesão de tornozelo mais séria, se foram os zagueiros do Combate ou se porque meu time sempre arrumava briga, mas depois de dois anos achei que aquilo não era pra mim.


Com estas pequenas confissões é possível compreender porque tenho carinho pelo Rio Belém, que me traz lembranças em vários pontos de seu percurso. Gosto tanto deste rio que por vezes imagino como seria se o Belém fosse limpo… moleques tomando banho num dia de verão… senhores idosos pescando lambaris… nada do mau cheiro. Parece um sonho impossível. Mas se despoluíram o Sena, porque não o Belém? Porque aqui é Brasil, dirão. Talvez… Provavelmente ele terá que fluir sujo e malcheiroso por muitos anos. Mas que este rio, simpático, querido e absolutamente curitibano, merecia uma despoluição… ah, isso merecia!


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