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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

REPUBLICANDO CURITIBANICES: XADREZ GIGANTE

Havia algo mais no encantamento da praça Generoso Marques…


Se você tem dez anos de idade e é moleque de bairro, uma ida ao centro da cidade vira um acontecimento. Em geral acompanhado por um irmão mais velho, que apertava sua mão para você não escapar ( pois sabia da imensa bronca que receberia se o pequeno se metesse em confusão ), seguia num passo atribulado, olhos arregalados devorando cores e formas. A agitação da Rua das Flores era observada com admiração, tanta gente, tanto burburinho.


-- Borboleta e cobra, olha a cobra!


Pois é, ela já estava lá então, na esquina da Monsenhor Celso, vendendo bilhetes da loteria federal. Perguntei o que aquilo significava e recebi do irmão mais velho uma explicação vaga. Está vendendo jogo do bicho...


Naquele tempo, tudo no centro era fascinante para um guri do Capanema. A Tiradentes com seus ipês e pinheiros, vigiada pela imponência da catedral; a Osório e seu repuxo; a Santos Andrade com seus espaços amplos e aquele espetacular prédio da Universidade; até mesmo as grandes lojas, como a Muricy, com suas escadas rolantes e lanchonete americana.


Por várias razões, tinha especial carinho pela Praça Generoso Marques, esta pracinha pequena, singela, empurrada para o canto pela Tiradentes. Ali havia o mercado das flores… eu me extasiava de ver tanta cor reunida em um quiosque: violetas, rosas, gladíolos, florezinhas do campo, pequenos cactos em microjardins. Lá estava encravado o Paço Municipal e eu achava incrível aqueles dois Hércules suportando a estrutura da porta de entrada. Já então a Maria Lata Dágua - de Erbo Stenzel - carregava seu fardo. E mais que tudo: havia o xadrez gigante!


Como disse no início: para um moleque de bairro com dez anos o centro de Curitiba era fascinante. Se este moleque gosta de xadrez, então, o tabuleiro gigante era o máximo. Se você não viu, esteve lá na Praça Generoso Marques por um tempo infelizmente curto. Um tabuleiro de cerca de 10 metros, no chão de petit pavet, contava com peças feitas de PVC com cerca de 1,50 m de altura. Torres, bispos, cavalos e demais peças esculpidas por ninguém menos que Juarez Machado, peças azuis confrontando laranjas.


Em seu melhor momento, o xadrez gigante da Generoso Marques reproduzia em tempo real as grandes partidas de xadrez, como uma entre os Grandes Mestres nacionais, Mequinho e Athayde. Os mestres jogaram num tabuleiro de tamanho normal e seus movimentos eram imediatamente reproduzidos na praça. A guerra fria estava no seu auge e o xadrez era também palco destas disputas. Os russos, com sua grande escola e tantos valores, apresentavam Boris Spassky em seu auge. Os americanos - que jamais competiram com os russos em termos de xadrez - tinham a sorte de ter seu maior gênio naquela época. O completamente doido, alucinado e genial Bobby Fischer.


A disputa do título mundial de 1972 entre Spasski e Fischer entrou para a história do xadrez e da própria guerra fria. E tinha seus movimentos meticulosamente estudados por praticantes no mundo inteiro. Eu era apenas um menino que gostava de xadrez, não jogava bem. Na verdade, vergonhosamente confesso que ainda hoje jogo como um menino. Mas ficava encantado com a aura que cercava tudo aquilo.


Os anos passaram, Spasski engordou e perdeu o vigor intelectual. Fischer enlouqueceu de vez e foi adotado pela Islândia ( pois nem os americanos aceitaram tantos atos despropositados ). Pararam de reproduzir grandes partidas, as peças de xadrez se imobilizaram até serem transformadas em lixeiras por muitas almas pequenas. E um belo dia, sumiram…


Bem, aquela Curitiba provinciana que amávamos não existe mais. Talvez o que amássemos fosse nossa própria juventude, não sei… O mercado de flores, o Paço Municipal, a estátua do Stenzel, ainda estão lá. A Generoso Marques ainda é um cantinho aprazível de Curitiba. Mas o menino não está mais. Quando passo por ali ainda procuro pelos dois… pelo menino e pelo tabuleiro gigante:


-- Xeque!


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