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SANTO ANSELMO E SEU MONOLÓGIO

A tentativa apaixonada de provar o que não se prova…


Imagem de Laila_ por Pixabay

Na obra Monológio Santo Anselmo de Cantuária intentou o impossível: provar por meio da razão a existência e a essência da Santíssima Trindade. A julgar pela sua conclusão, no capítulo LXXIX, ele considerou que sua pretensão foi bem sucedida: Na verdade, ele não somente é Deus, mas o único deus, inefavelmente trino e uno.


Conquanto não possamos concordar com sua presunção, não se pode negar a racionalidade dos argumentos. O problema é que, para provar o inefável, Santo Anselmo lança mão de afirmações categóricas - aquelas que afirma absurdo pensar de maneira diversa - e a partir de tais afirmações constrói a estrutura de seu pensamento. Tais afirmações, contudo, por vezes não são tão categóricas assim, por outras figuram como verdadeiros sofismas.


Exemplo disso é a seguinte passagem: tudo aquilo que foi feito por Ele foi feito através desta palavra. Quando uma linha de argumentação parte de uma proposição não demonstrada, pode ser considerada falaciosa. Santo Anselmo faz isso no Monológio algumas vezes. Em verdade, ele busca provar a existência do Ser Supremo, que sempre existiu, isto é, não tem começo ou fim, sequer o nada o antecede/sucede, usando a lógica terrena, algo que Kant, séculos depois, afirmaria impossível. Pois sequer tempo/espaço, noções que, segundo Schopenhauer, possuimos intuitivamente, prestam-se a este fim.


Percebendo isso, Santo Anselmo busca situar o Supremo além de tempo/espaço:


A Essência Suprema encontra-se em todo lugar e tempo, porque não está ausente de nada; e não se encontra em nenhum lugar, porque não possui nem lugar nem tempo e não admite, em si mesma, distinção de lugar e de tempo; nem ela está aqui ou ali, nem em parte alguma; nem no “então”, nem no “agora”, nem no “uma vez”.


Devemos entender que o pai da Escolástica precisa, em função de tudo que acredita, provar a existência de Deus e do dogma cristão da Santíssima Trindade. E a despeito do que já dissemos, forçoso afirmar que o faz com competência e, até, com poesia. Vejamos este trecho em que explica a natureza suprema:


Então como haverá de entender-se que ela é por si e de si, se não foi criada e não é a matéria donde saiu e não recebeu ajuda alguma para transitar ao ser?

Eu creio que se deva compreender no mesmo sentido e da mesma maneira com que se compreende quando dizemos que a luz ilumina, iluminando por si e de si mesma. De fato a relação que há entre luz, iluminar, iluminando, corresponde à que se estabelece entre essência, ser e ente, isto é, existente e subsistente.

Portanto, a essência suprema, o ser soberano, o ente absoluto, isto é, sumamente existente ou sumamente subsistente, mantém as mesmas relações que luz, iluminar, iluminando.


Então, se você é cristão e precisa reforçar sua fé com boa leitura, recomendo o Monológio de Santo Anselmo. Perceberá como se pode entender que o Pai é sabedoria e memória, o Filho é inteligência e o Espírito é amor. E como todos são um só e ao mesmo tempo um; e como possuem e partilham todos estes atributos, sem contradição. Ao menos, na estruturação lógica de Santo Anselmo.



Santo Anselmo é, com justiça, considerado o fundador da escolástica. Nascido em 1033 no norte da Itália, seguiu por muitos anos os passos de seu mestre, Lanfranco. Tornou-se abade de Bec, ganhou fama por seus estudos e chegou a ser arcebispo de Cantuária. Por enfrentar a autoridade dos reis ingleses, por duas vezes conheceu o exílio. Morreu em 1109. Ainda no Século XII, foi canonizado. Em 1720 foi proclamado doutor da igreja em bula do papa Clemente XI.



Monológio - Santo Anselmo

Coleção “Os Pensadores”, Vol. V, 1ª edição, 1973.

Victor Civita Edições.


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