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ZONA DE INTERESSE


A originalidade reside na perspectiva.

Imagem de Youtube.


Já se produziram inúmeros filmes sobre o regime nazista. O tema variou bastante: os últimos dias de Hitler em seu bunker em Berlim ( A Queda, 2004 ), as tentativas frustradas de tirá-lo do poder ( Operação Valquíria, 2008 ), a perseguição aos judeus e seu sofrimento ( A Lista de Schindler, 1993 ) ( A Small Light, 2023 ), grandes batalhas ( Círculo de Fogo, 2001 ) e assim por diante. Todos estes filmes citados precisam ser vistos, pela sua qualidade, valor histórico e pelo poder da mensagem que carregam.


Zona de Interesse, 2023 - é um desses filmes, também de visão obrigatória. Aqui, a originalidade reside na perspectiva. A história toda se passa na casa do comandante do campo de concentração de Auschwitz e gira em torno de prosaicos incidentes familiares. Auschwitz, como infelizmente sabemos, foi o pior de todos os campos de concentração ( houve milhares ). Nomes como Treblinka, Sobibor, Bergen Belsen, Buchenwald, são todos nomes amaldiçoados. Auschwitz, porém, grita ainda mais alto todo seu terror e maldade. Mais de um milhão de judeus foram ali executados.


Construído ao lado das muralhas de Auschwitz, a rotina na casa do comandante segue placidamente, entre refeições risonhas e passeios no jardim. Essa silenciosa contradição se impõe em toda narrativa, como se um invisível montanha flutuasse sobre a residência, negada, opressiva. Todos sabem onde moram e o que existe ao lado do lar, claro, mesmo as crianças. Mas quase não se fazem referências aos judeus ou ao trabalho do pai. A montanha está ali, contudo, flutuando invisivelmente opressiva, nos tiros que frequentemente são ouvidos à distância, nas cinzas que delicadamente pousam nas flores do jardim.


Algumas cenas são muito fortes. Numa delas, a esposa do comandante, Hedwig, prova um casaco de peles. Volta e meia a família partilha peças de roupa que chegam quase ingenuamente, como se fossem mágicas doações. Hedwig vai ao seu quarto com o casaco "novo" e o prova com satisfação. Aprecia sua figura no espelho. Por fim, investiga seus bolsos e descobre um batom. Imediatamente senta-se à penteadeira e passa o batom vermelho nos lábios. Nada mais precisa ser dito.


Em outra cena, o comandante Rudolf Höss recebe engenheiros em sua casa. Eles tem um projeto revolucionário para estabelecer uma eficiente linha de montagem. Expõem a ideia tranquilamente: olhe, a carga entra por aqui. As câmaras seguem uma sequência de aquecimento e arrefecimento por meio deste sistema de ventilação. A carga vai sendo transferida desta para aquela câmera... E assim por diante.


O filme todo é incrivelmente opressivo. A narrativa é propositadamente lenta, o que acentua a opressão do tema. Os judeus sequer aparecem no filme, exceto em ligeiras intromissões: a empregada da casa do comandante, um homem entregando mantimentos, uma mulher que se apresenta no gabinete do comandante para servi-lo. Mas estão presentes o tempo todo, em gritos longínquos, na evocação dos tiros e das cinzas. É terrível pensar que a sociedade alemã tenha vivido, em grande parte, no mesmo estado de estupor moral em que vivia a família do comandante.


O elenco trabalha muito bem. Acredito que o papel mais difícil para um ator é representar pessoas comuns, medíocres, vivendo a rotina diária. Conferir naturalidade a esse tipo de representação exige talento, pois há uma tendência ao exagero disso e daquilo, uma tendência a querer sobressair em algum aspecto. Christian Friedel e Sandra Hüller dão conta da tarefa com maestria. A direção divide um pouco minha apreciação: brilhante em algumas passagens ( na força do subliminar ), mas excessivamente lenta em outras, quase cansativa ( a abertura, por exemplo ). Mas o conjunto todo é muito poderoso e conduz fortemente a mensagem que está na banalidade do mal de que Hannah Arendt falava.



Zona de Interesse - EUA, Polônia, Grã-Bretanha, Irlanda do Norte - 2023. 105 minutos. Assista na Prime Vídeo.

Direção: Jonathan Glazer.

Elenco: Christia Friedel ( Rudolf Höss ), Sandra Hüller ( Hedwig Höss ).

Adjetivos: original, poderoso, terrível.

Recomendação: para todo ser humano acima de 14 anos.

Nota: 9







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